NOTAS PARA A AULA DE INTRODUÇÃO À FILOSOFIA - 17/09/2009
Cap. 4 – O universo espiritual da polis
Polis: originada a partir do século VIII a.C. - verdadeira invenção do espírito grego.
Três características que mostram o caráter original da polis grega.
1) A preeminência da palavra como instrumento de poder.
- a palavra não é mais um elemento de eficácia ritual, não tem um poder mágico de instaurar a realidade, pelo contrário, ela é um instrumento de debate, supõe um público que atuará como árbitro a decidir sobre dois discursos contrários.
- o logos toma consciência de si, de sua eficácia, de suas regras, a arte política será uma arte do logos.
- Aristóteles (384-322 a.C.): suas pesquisas sobre as técnicas de persuasão e regras da demonstração, assim como a lógica o verdadeiro são a culminância de um processo que se inicia com a prática da retórica e da sofística nos debates públicos.
2) A plena publicidade das manifestações mais importantes da vida social.
- domínio público: interesses comuns, distinto de interesses privados e práticas abertas em oposição às práticas secretas.
- apreensão, em proveito do grupo de todas as funções antes privativas do basileus ou dos gene.
- acesso ao mundo espiritual, antes reservado aos aristocratas, a um círculo cada vez mais amplo de cidadãos, idealmente ao demos todo.
- conhecimentos, valores e técnicas mentais são levados à praça pública, onde serão objeto de debates, devem mostrar sua retidão por processos de ordem dialética.
- a escrita fonética, alfabética será o meio de uma cultura comum, não mais um saber restrito a escribas especializados, mas acessível a todos.
- a lei escrita: mais do que garantir a fixidez, a escritura da lei permite que ela se torne um bem público, subtraído a autoridade exclusiva do monarca, sem deixar de ter um valor sagrado
- os livros: obedecendo à mesma lógica, os pensamentos individuais de sábios como Anaximandro ou Heráclito, se apresentarão publicamente e, por meio do debate, reivindicarão o reconhecimento de todos.
- o culto público: a cidade reivindica para si os cultos que antes eram propriedades de certas famílias, a divindade passa a proteger a cidade toda, os próprios símbolos sagrados perdem sua eficácia ritual, emigram dos palácios e das casas sacerdotais para o templo, um lugar público e impessoal, onde estarão expostos aos olhos de todos como ensinamento sobre os deuses.
- permanência de um domínio subtraído à publicidade no campo da política: a permanência de práticas secretas de governo lembram que, apesar do racionalismo político, a deliberações sobre o futuro não é algo sobre o que a razão humana possua controle total, há sempre o espaço para o imponderável.
- no plano religioso também há a permanência de práticas não públicas: são as seitas, que se organizam de modo hierárquico e selecionam, por meio de provas, os eleitos a participar de privilégios.
- mas, ao contrário, das antigas confrarias, esses ritos de iniciação estão circunscritos ao terreno religioso e são abertos a todos que desejarem se submeter a eles, não havendo interdição por origem ou classe.
- os primeiros sábios retomam as preocupações das seitas e se apresenta à cidade e é reconhecido por esta como um homem que se distingue dos demais por seu gênero de vida tanto quanto pelo conhecimento que possui, e que será útil à cidade.
- paradoxo da primeira sabedoria: entregar ao público um conhecimento secreto e inacessível.
- as provas para o acesso à sophia e à philosophia incluem uma regra de vida, uma ascese, uma via de pesquisa, o domínio de técnicas de discurso, de técnicas de raciocínio como a matemática, e exercício espirituais.
- ambigüidade da filosofia: nascida sob esse duplo movimento de publicidade e de busca individual da sabedoria, a filosofia flutua entre o mistério dos segredos e a publicidade do debate.
- consequência: o filósofo ora se apresenta como o sábio que tem o conhecimento para conduzir a cidade, ora se distancia da cidade para buscar a felicidade numa sabedoria secreta, reservada a poucos iniciados (a obra de Platão é um paradigma dessa atitude)
3) Isonomia
- os que compõem a cidade, por mais diferentes que sejam individualmente quanto á classe ou origem ou posição social são, de certa maneira, semelhantes ou mesmo iguais.
- origem: tradições igualitárias nos meios militares, atitudes psicológicas da aristocracia dos cavaleiros (hippeis) que recusam um poder absoluto e exigem repartir o poder entre iguais.
- qualificação guerreira instituída como meio para participar dos negócios públicos
- o aparecimento do hoplita, soldado de infantaria, pesadamente armado, que combate em linha estende a um contingente mais amplo de pessoas a possibilidade de tornar-se cidadãos.
- o tipo de combate baseado no soldado hoplita e na disciplina tática também transforma a ética do guerreiro, pois já não conta mais o valor pessoal, o heroísmo de indivíduos, mas sim a capacidade de obedecer ao comando, de manter a posição no campo de batalha. O Thymos (coragem) é substituído pela sophrosyne (equilíbrio).
- assim como os hoplitas, na falange, são intercambiáveis, na cidade, os cidadãos podem ocupar o lugar uns dos outros, sem privilégios.
- o caso de Esparta: no século VI esta cidade parece estar na contramão do fenômeno democrático, com suas instituições arcaicas e seu repúdio ao luxo e ao contato com o estrangeiro.
- no entanto, em Esparta, o fator militar também a encaminhou para uma sociedade de iguais, uma cidade de hoplitas, ordenada pela lei, a ordem social não depende um soberano, mas sim de um equilíbrio entre as várias instâncias de poder (os dois reis, a gerousia, a apella, os éforos).
- por se orientar, primeiramente, por preocupações militares, em Esparta, a palavra e a publicidade não desempenharão um papel tão decisivo como em outras cidades.
sábado, 19 de setembro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário