terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Metafísica A, 3 - Notas de aula

Metafísica A,3




Aristóteles



Conhecer uma coisa é discernir sua causa primeira (princípio)

As causas se dizem de quatro maneiras:

1) a essência, aquilo que o ser é;

2) a matéria, o subjacente;

3) a origem do movimento;

4) a finalidade, o “em vista de que”.

Retomemos essa discussão tomando como base os primeiros filósofos, pois estes também propuseram algum tipo de causa. (Tal exame já foi feito na Física)

A utilidade desse estudo é que ou encontraremos algum tipo de causa diferente daqueles quatro anteriores ou ficaremos mais seguros a respeito deles.

A causa material

os primeiros filósofos admitiram, em sua maioria, este tipo de causa;

para eles, existe um princípio a partir do qual tudo se constitui e no qual tudo se corrompe, há uma natureza que nunca vem a ser e nunca se destrói.

(exemplo: Sócrates, ao se tornar belo ou músico não é algo além de Sócrates, nem deixa de ser Sócrates se perde essas características, há uma essência, que é Sócrates, que permanece sempre a mesma)

A causa material seria, então, uma natureza, ou mais de uma, a partir da qual tudo vem a ser, e quando as coisas se corrompem voltam a ser essa natureza, que nunca deixa de existir.

Segundo Tales, o iniciador da filosofia, essa natureza ou elemento primordial é a água; razão: o alimento de tudo é úmido, as sementes são úmidas.

Também o pensamento sobre os deuses (mitologia) dava grande destaque à água como princípio da natureza (Oceano e Tétis, pais da geração; juramento sobre a água).

Anaxímenes e Diógenes sustentam que a ar é anterior à água como princípio.

Hípaso e Heráclito sustentam que o fogo é o princípio.

Empédocles sustentou que são quatro os elementos primordiais: água, ar, fogo e terra, que se unem e se desunem a partir de algo único (tudo é composição proporcional desses quatro).

Anáxagoras sustentou que os princípios são em número ilimitado e são eternos, juntando-se e desagregando-se conforme a semelhança (homeomerias).

Todos esses filósofos mencionados parecem ter se pronunciado apenas sobre a causa material.

Dificuldade: ainda que admitamos que há um ou vários princípios materiais, é preciso dizer como esses princípios fazem algo vir a ser ou corromper-se, isto é, é preciso buscar outro princípio, qual seja, o princípio do movimento, pois a própria matéria não pode ser a causa de ser isso ou aquilo (por exemplo, a madeira não é a causa pela qual se torna uma cama ou uma mesa).

Parmênides: vencido pela dificuldade de descobrir a causa da mudança, negou que houvesse mudança, e não só quanto ao elemento primordial (que todos consideram permanecer sempre o mesmo), mas também quanto a qualquer mudança.

Duas causas: Parmênides parece ter introduzido a opinião segundo a qual as mudanças são ocasionadas por duas causas, o que poderia ter ocorrido aos demais que postularam mais de um princípio fazendo destes princípios contrários, por exemplo, quente e frio, seco e úmido, fogo e água, etc.

Anáxagoras foi o primeiro a sustentar que a causa dos entes serem o que são é uma certa inteligência (nous) que há na natureza e que mantém em equilíbrio os diversos elementos; pois não é possível que algum elemento como o fogo ou a terra seja a causa de tal equilíbrio ou que tal equilíbrio seja fruto do mero acaso.

( Recordemos que Vernant identificara Anaxágoras como o mais maduro dos filósofos pré socráticos e que teria chegado a essa concepção influenciado pelo exercício do logos no âmbito da polis: assim, como a inteligência humana organiza o mundo dos homens para que haja harmonia e não guerra permanente, assim, deve haver uma inteligência no universo que mantém os elementos em sua determinação natural, por geração e corrupção).

domingo, 22 de novembro de 2009

Notas de aula - Metafísica A,2 - Aristóteles

METAFÍSICA A, 2


1.Questão: de que causas e princípios a sabedoria é ciência?

2.Estratégia para responder a questão: investigar a noção comum de sábio.

(essa estratégia é um procedimento padrão em Aristóteles, partindo-se do que se sabe ou pensa sobre um assunto para, através de sua crítica, chegar a uma noção mais exata).

a) o que conhece tudo universalmente;

b) o que conhece coisas difíceis, que nem todo mundo é capaz de conhecer (oposição aos
sentidos);

c) o que conhece com exatidão e ensina as causas;

d) a sabedoria é a ciência escolhida por si mesma e não em vista de sua utilidade;

e) a sabedoria é a ciência que comanda as demais.

3. Corroboração das opiniões anteriores.

- o conhecimento universal é mais difícil do que o particular

- as ciências mais exatas são as que precisam de menor número de princípios.

- o conhecimento das causas possui maior poder de ensinar.

- o saber pelo saber deve escolher o que é o melhor conhecimento (o mais cognoscível)

- o melhor conhecimento é o conhecimento das causas

- o conhecimento superior é aquele que sabe em vista de que cada coisa deve ser feita.

- o bem para cada coisa é aquilo em vista do que ela deve ser.

4. A ciência que buscamos, deve ser, pois, uma ciência que estuda os primeiros princípios e causas.

- Essa ciência não é um conhecimento produtivo. Razões:

Os primeiros filósofos foram movidos pela admiração

Primeiro se admiraram das coisas mais corriqueiras e, aos poucos, progrediram para as mais difíceis (por exemplo, sobre os astros)

É por se julgar ignorante de algo que alguém se admira desse algo e a filosofia é uma fuga dessa ignorância ( e não a busca de alguma utilidade)

Por isso a sabedoria só começou a ser buscada depois de inventadas as outras técnicas, práticas e para o divertimento.

Essa ciência, a sabedoria, é livre, pois é buscada em vista de si mesma, assim como é livre o homem que não depende de outrem para viver.

5.A posse desta ciência é mais do que humana ou essa ciência é uma ciência divina.

a) Simônides: “apenas deus poderia ter tal prêmio (a sabedoria)”

b) Se os poetas dizem a verdade, os deuses têm inveja dos homens por que estes podem ter esse conhecimento.

c) Mas os poetas mentem, os deuses não são invejosos e essa ciência é a mais valioso e divina.

d) É divina, pois, dentre os conhecimentos, é o que melhor cabe a um deus

e) É divina também pois deus é um dos itens de que trata, já que é uma das causas de tudo.

f) Todos os conhecimentos são mais necessários (úteis) que a sabedoria; mas nenhum é melhor do que ela.

6. A posse da sabedoria é o oposto da ignorância.

a) Todos começam a investigar pela admiração

b) Mas é preciso terminar no estado oposto e melhor do que o inicial

(notar a diferença entre essa concepção e a ideia socrática sobre a sabedoria)

Notas de Aula - Metafísica A,1 - Aristóteles

NOTAS DE AULA – INTRODUÇÃO À FILOSOFIA 12/11/2009



METAFÍSICA A, 1 – ARISTÓTELES


Todo homem deseja saber. Sinal: estima pelas sensações.

Memória e audição: capacidades necessárias para o aprendizado.

Experiência: surge, no ser humano, a partir das diversas recordações da mesma coisa.

Técnica: noção universal a partir da experiência.

Reflexão sobre as diferenças entre experiência e técnica.

A experiência parece ter mais sucesso na prática do que a técnica sem experiência

(razão: a experiência conhece o particular e a técnica, o universal e todo processo se realiza nos particulares - “o médico não cura o homem, mas um homem”)

A técnica é mais sabedoria do que a experiência.

(razão: a experiência sabe que tal coisa é assim ou assim, a técnica sabe o porquê, a causa das coisas serem assim ou assim)

Noção de sábio: o sábio não é o que é capaz de agir, mas o que conhece a causa, domina a explicação

(comparar com a ideia de Vernant sobre os sete sábios).

Quem possui a técnica é capaz de ensinar, por isso a técnica é um tipo superior de conhecimento.

A sensação: conhecimento decisivo sobre os particulares, mas não se constitui em sabedoria.

Os diversos tipos de técnica:

a) úteis (medicina, agricultura)

b) para o divertimento (música, poesia)

c) teóricas (matemática, física)

(notar a explicação histórica de Aristóteles para o surgimento das técnicas: conforme o avanço da civilização, o homem evolui de um estágio em que se preocupa com a mera sobrevivência até um estágio em que se permite tempo livre, para se ocupar com o puro saber)

A sabedoria é a ciência das primeiras causas e dos princípios; quanto mais próximos dessas causas mais sábio é o conhecimento, mais sábio é o seu possuidor.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

GABARITO DA PROVA DE 08 DE OUTUBRO

1) A polis é uma invenção grega. Enumere os três itens que a caracterizam. Explique um desses itens.


RESPOSTA

Segundo Jean-Pierre Vernant (A origem do pensamento entre os gregos), a polis se caracteriza principalmente pelos seguintes itens:

a) O uso da palavra como instrumento de poder: os habitantes da polis são considerados cidadãos e rejeitam a autoridade absoluta. Toda autoridade, em tese, deve ser justificada mediante o uso de argumentos racionais, que serão avaliados pela assembleia dos cidadãos, daí a importância da retórica e da dialética, pois tanto para exercer funções públicas como para participar das discussões era preciso dominar o uso da palavra; a palavra não tem uma função mágica, como num ritual, de instaurar uma realidade, mas tem o poder de garantir, pelo debate, que a melhor solução foi encontrada.

b) A publicidade dos acontecimentos sociais: o uso da palavra, oral e escrita, permite a criação de um espaço público de convivência entre os cidadãos, mesmo os cultos religiosos tornam-se acontecimentos públicos, que envolvem a cidade toda; dessa forma, os cidadãos podem participar de uma vida espiritual que antes só era acessível às elites aristocráticas.

c) A isonomia: os cidadãos, quaisquer que fossem a sua condição social, eram considerados iguais diante da lei; tal igualdade podia ser do tipo geométrico, proporcional (Sólon) ou aritmética, absoluta (Clístenes), idealmente dava o poder de participar e decidir nos negócios públicos a todo homem qualificado como cidadão, o que se atingia pela participação militar.


2) O que foi a crise da polis no século VI? Qual o papel dos sábios nessa crise?


RESPOSTA

A crise da polis no século VI foi uma situação de oposição extrema entre a aristocracia e os habitantes das suas terras. A causa dessa crise foi de origem econômica: os aristocratas, impulsionados pelo desenvolvimento comercial de Grécia, ficam desejosos de se enriquecer e passam a valorizar a vida luxuosa dos poderosos dos reinos orientais; ora, a ganância dos ricos, não tendo limites, vai ser sentida pelos mais pobres, que habitam suas terras desde muito tempo, como uma situação de anomia ou de ausência de lei, em que ficam à mercê do desejo dos proprietários de enriquecer por meio da exploração das suas terras e dos habitantes que nela vivem. Os sete sábios são homens que, graças ao seu saber prático e sua autoridade, procuram equilibrar a situação, evitando a desarmonia na cidade, seja denunciando a ganância dos ricos, seja propondo efetivamente leis que controlem essa ganância. Por meio dessa ação eles promovem um espaço público e uma vida pública, na qual os gregos discutirão o melhor meio de governo.



3) Há, segundo Vernant, uma estreita relação entre a invenção da polis na Grécia e o nascimento da filosofia no século VI. Explique essa relação.


RESPOSTA
Para Vernant, a polis é a cidade tal como foi inventada pelos gregos, com suas peculiaridades, quais sejam, o auto governo, a participação dos cidadãos na condução dos negócios públicos, por meio de debates em que o uso da palavra era fundamental, a própria criação de um espaço público e de uma vida espiritual para os cidadãos, o uso da razão, não apenas nos argumentos verbais, mas também no uso da moeda, do calendário e da escrita. Essas condições da polis teriam sido fundamentais para o aparecimento de uma reflexão que toma justamente o exercício da razão como único árbitro para as discussões. Na interpretação da natureza, por exemplo, os primeiros filósofos simplesmente tomaram de empréstimo a noção de lei forjada na polis, que garantia o equilíbrio entre os cidadãos e a projetaram sobre a natureza, procurando explicar a ordem dos fenômenos em termos de equilíbrio entre elementos de natureza discordante (água/fogo, seco/úmido, quente/frio, etc). Isto é, se não houvesse a polis, não haveria a filosofia (e provavelmente também o teatro, a literatura e a ciência tal como os temos hoje).



4) Cornford não acha que a filosofia dos físicos da Jônia tenha sido uma ruptura radical com o pensamento mítico próprio da Grécia no século VI. Por que ele pensa assim? O que Vernant pensa dessa ideia de Cornford?



Cornford acha que o pensamento dos primeiros filósofos da Jônia, embora se apresente em um vocabulário mais abstrato e menos antropomórfico, ainda se utiliza dos esquemas do pensamento mítico para explicar os fenômenos naturais, e não apenas os esquemas mentais, mas até mesmo imagens míticas são usadas para apresentar as explicações sobre a natureza que ainda se apresentam muito como resultado de combates, busca de equilíbrio e outras ideias da tradição mítica. E sobretudo carecem de um sentido de observação e experimentação com relação aos fenômenos, o que caracteriza uma visão científica.

Vernant discorda da tese de Cornford, pois para ele, os físicos da Jônia rompem com a tradição mítica e fazem isso conscientemente, a utilização de um vocabulário mais abstrato é uma prova do seu esforço de buscar explicações naturais (e não mais sobrenaturais) para os fenômenos. Se há utilização de esquemas mentais e mesmo de metáforas comuns aos mitos por um lado, a intenção das explicações dos fisiólogos (as cosmologias) são totalmente diversas das explicações míticas (cosmogonias ou teogonias). Enquanto o interesse dos mitos é justificar uma determinada situação por meio do recurso às histórias sobre os deuses, num tempo imemorial (mitos de soberania), a intenção das teorias dos físicos da Jônia era explicar as causas dos fenômenos naturais em termos de outros fenômenos e elementos naturais, que aliás funcionam hoje como funcionaram sempre, o que causa os fenômenos hoje é a mesma coisa que os causava desde o começo do mundo, não há diferença entre um mundo primordial e o mundo de hoje.

domingo, 4 de outubro de 2009

Notas de aula - Capítulos 4 a 8 de As origens do pensamento grego (Vernant)

Cap. 4 – O universo espiritual da polis

Polis: originada a partir do século VIII a.C. - verdadeira invenção do espírito grego.

Três características que mostram o caráter original da polis grega.


1)A preeminência da palavra como instrumento de poder.

- a palavra não é mais um elemento de eficácia ritual, não tem um poder mágico de instaurar a realidade, pelo contrário, ela é um instrumento de debate, supõe um público que atuará como árbitro a decidir sobre dois discursos contrários.

- o logos toma consciência de si, de sua eficácia, de suas regras, a arte política será uma arte do logos.

- Aristóteles (384-322 a.C.): suas pesquisas sobre as técnicas de persuasão e regras da demonstração, assim como a lógica o verdadeiro são a culminância de um processo que se inicia com a prática da retórica e da sofística nos debates públicos.


2) A plena publicidade das manifestações mais importantes da vida social.


- domínio público: interesses comuns, distinto de interesses privados e práticas abertas em oposição às práticas secretas.

- apreensão, em proveito do grupo de todas as funções antes privativas do basileus ou dos gene.

- acesso ao mundo espiritual, antes reservado aos aristocratas, a um círculo cada vez mais amplo de cidadãos, idealmente ao demos todo.

- conhecimentos, valores e técnicas mentais são levados à praça pública, onde serão objeto de debates, devem mostrar sua retidão por processos de ordem dialética.

- a escrita fonética, alfabética será o meio de uma cultura comum, não mais um saber restrito a escribas especializados, mas acessível a todos.

- a lei escrita: mais do que garantir a fixidez, a escritura da lei permite que ela se torne um bem público, subtraído a autoridade exclusiva do monarca, sem deixar de ter um valor sagrado

- os livros: obedecendo à mesma lógica, os pensamentos individuais de sábios como Anaximandro ou Heráclito, se apresentarão publicamente e, por meio do debate, reivindicarão o reconhecimento de todos.

- o culto público: a cidade reivindica para si os cultos que antes eram propriedades de certas famílias, a divindade passa a proteger a cidade toda, os próprios símbolos sagrados perdem sua eficácia ritual, emigram dos palácios e das casas sacerdotais para o templo, um lugar público e impessoal, onde estarão expostos aos olhos de todos como ensinamento sobre os deuses.

- permanência de um domínio subtraído à publicidade no campo da política: a permanência de práticas secretas de governo lembram que, apesar do racionalismo político, a deliberações sobre o futuro não é algo sobre o que a razão humana possua controle total, há sempre o espaço para o imponderável.

- no plano religioso também há a permanência de práticas não públicas: são as seitas, que se organizam de modo hierárquico e selecionam, por meio de provas, os eleitos a participar de privilégios.

- mas, ao contrário, das antigas confrarias, esses ritos de iniciação estão circuncritos ao terreno religioso e são abertos a todos que desejarem se submeter a eles, não havendo interdição por origem ou classe.

- os primeiros sábios retomam as preocupações das seitas e se apresenta à cidade e é reconhecido por esta como um homem que se distingue dos demais por seu gênero de vida tanto quanto pelo conhecimento que possui, e que será útil á cidade.

- paradoxo da primeira sabedoria: entregar ao público um conhecimento secreto e inacessível.

- as provas para o acesso à sophia e à philosophia incluem uma regra de vida, uma ascese, uma via de pesquisa, o domínio de técnicas de discurso, de técnicas de raciocínio como a matemática, e exercício espirituais.

- ambigüidade da filosofia: nascida sob esse duplo movimento de publicidade e de busca individual da sabedoria, a filosofia flutua entre o mistério dos segredos e a publicidade do debate.

- consequência: o filósofo ora se apresenta como o sábio que tem o conhecimento para conduzir a cidade, ora se distancia da cidade para buscar a felicidade numa sabedoria secreta, reservada a poucos iniciados ( a obra de Platão como paradigma dessa atitude)


3)Isonomia

- os que compõem a cidade, por mais diferentes que sejam individualmente quanto á classe ou origem ou posição social são, de certa maneira, semelhantes ou mesmo iguais.

- origem: tradições igualitárias nos meios militares, atitudes psicológicas da aristocracia dos cavaleiros (hippeis) que recusam um poder absoluto e exigem repartir o poder entre iguais.

- qualificação guerreira instituída como meio para participar dos negócios públicos

- o aparecimento do hoplita, soldado de infantaria, pesadamente armado, que combate em linha estende a um contingente mais amplo de pessoas a possibilidade de tornar-se cidadãos.

- o tipo de combate baseado no soldado hoplita e na disciplina tática também transforma a ética do guerreiro, pois já não conta mais o valor pessoal, o heroísmo de indivíduos, mas sim a capacidade de obedecer ao comando, de manter a posição no campo de batalha. O Thymos (coragem) é substituído pela sophrosyne (equilíbrio).

- assim como os hoplitas, na falange, são intercambiáveis, na cidade, os cidadãos podem ocupar o lugar uns dos outros, sem privilégios.

- o caso de Esparta: no século VI esta cidade parece estar na contramão do fenômeno democrático, com suas instituições arcaicas e seu repúdio ao luxo e ao contato com o estrangeiro.

- no entanto, em Esparta, o fator militar também a encaminhou para uma sociedade de iguais, uma cidade de hoplitas, ordenada pela lei, a ordem social não depende um soberano, mas sim de um equilíbrio entre as várias instâncias de poder (os dois reis, a gerousia, a apella, os éforos).

- por se orientar, primeiramente, por preocupações militares, em Esparta, a palavra e a publicidade não desempenharão um papel tão decisivo como em outras cidades.



Cap. 5 – A crise da cidade: os primeiros sábios



A Sabedoria dos primeiros sábios consistia num conhecimento orientado para a organização da cidade.



- a tradição dos sete sábios, personagens mais ou menos lendários, permite compreender um momento de crise, entre o fim do século VII e começo do VI, momento de conflito em que os gregos põem em discussão o seu sistema de crenças religiosas e morais.



- os setes sábios apresentam-se como homens que, por seu saber mas também por sua vida, são capazes de intervir nesse debate.



- a habilitação política é o que há de comum entre personagens tão díspares como Tales, o fisiólogo, Sólon, o poeta que recusa a tirania, Periandro, o tirano de Corinto, Epimênides, o mago inspirado, Pítaco, também poeta e legislador constituinte (aisimneta).



- o esforço, no domínio político, de elaboração de uma regra comum corresponde, no plano intelectual ao esforço para a elaboração de uma nova ética.



- a crise tem origem econômica, reveste-se de uma efervescência religiosa e social, mas dadas as circunstâncias leva a uma reflexão moral e política, de caráter laico.



- condições econômicas: retomada do desenvolvimento e do contato com o Oriente, a partir do século VIII e com o Mediterrâneo todo no século VII, o crescimento demográfico leva à expansão marítima, que busca um tríplice objetivo: procura por terra, por alimento, por metais preciosos.



- como consequência, a classe aristocrática é seduzida pela riqueza e pelo luxo, os aristocratas, antes grandes proprietários rurais se converte em traficantes marítimos ou em fazendeiros (gentlemen farmer)



- concentração de terras fazem do problema agrário uma crucial questão social



- embora apareça uma população de artesãos e lojistas, é a oposição entre urbanos (os nobres que vivem na cidade) e rurais (os camponeses que os alimentam) a principal oposição social na Gr´cia do século VII.



- a reação do mundo grego a essa situação é a recusa a esse estado de anomia (de ausência de lei) e que leva à busca de uma limitação à ambição, à iniciativa e à sede de poder da nova aristocracia.



- a legislação sobre o homicídio: testemunha da nova mentalidade política que se instaura: antigamente o homicida era um problema da família da vítima ( o que originava a série interminável de vinganças), paulatinamente, o assassino passa a ser problema da cidade como um todo, que finalmente tomará para si a prerrogativa de puni-lo; a transformação tendo passado por um estágio de reflexão religiosa sobre o assassinato como mancha que atinge a toda a comunidade e merece expiação pública.



- ao definir a cidade como uma comunidade natural, Aristóteles enfatiza o aspecto de comunidade (koinonia), baseado na refeição comum, que sugere a consangüinidade; portanto, o assassínio de um concidadão deverá produzir o mesmo horror religioso a todos os cidadãos como se fosse o assassínio de um parente.



- o começo do direito se dá, então, dentro de um clima religioso, mas não se desenvolve como um movimento religioso; pelo contrário, é um esforço de laicização o que acontece, as aspirações comunitárias encaminham-se para a instituição judiciária e política.



- no mundo antigo, os gene se enfrentavam puramente no terreno da força, representada por testemunhos e juramentos que conseguissem arregimentar; na nova situação , o juiz não mais pedirá as testemunhas que jurem, mas que relatem os fatos; o seu dever é investigar a verdade e o processo se dará mediante as regras do discurso, do uso da palavra, de reconstrução do plausível, da dedução.







Cap.6: A organização do cosmo humano



- Origem religiosa da reflexão moral: o ascetismo das seitas encontra ressonância no ideal de austeridade em reação contra a ostentação e o luxo (frutos do desenvolvimento comercial)

- A nova imagem da virtude: a areté (virtude) não se manifesta mais como coragem e heroísmo guerreiros, mas a uma capacidade de controlar os apetites com rigor, com ascetismo

- A virtude ganha um aspecto mais moral ou moralizante.

- A condenação do luxo e da riqueza visam às conseqüências sociais desses excessos, as divisões e ódios que engendra na cidade.

- A riqueza: substitui os valores aristocráticos e não comporta nenhum limite, sua essência é o descomedimento (hybris)

- Sólon: “Não há termo para a riqueza. Koros, a saciedade engendra Hybris”

- Teógnis: “Quem possui quer mais ainda. A riqueza acaba por já não ter outro objeto senão a si própria”

- Sophrosyne: ideal de temperança e proporção que fundamenta a classe média na cidade, capaz de se opor aos ricos e sua ambição desmedida e também aos grupos sectários, busca de uma ordenação do cosmos (o equilíbrio)..

- Caráter “burguês” da virtude grega: uma classe média, equidistante dos ricos e dos indigentes exercerá um papel mediador entre as classes extremas.

- Agogé espartana: espírito de comedimento, de domínio das paixões, emoções e instintos.

- Sólon: estabelece uma ordem política que impõe um equilíbrio entre forças contrárias, um acordo entre rivais

- Sólon: recusa a tirania, pois a arché deve permancer no meio, no centro, igual para todos.



Fragmento 4 de Sólon

Nossa pólis jamais perecerá pela vontade de Zeus

e pelo querer dos bem-aventurados deuses imortais;

pois a tão magnânima guardiã, filha do poderoso pai,

Palas Atena, tem as mãos sobre ela.

Mas os próprios cidadãos, com seus desvarios, (5)

querem destruir a grande pólis, persuadidos por riquezas,

e injusto é o nomon dos chefes do povo, aos quais está reservado

sofrer muitas aflições por sua grande Hybris,

pois eles não são capazes de conter seu koroi

nem controlar, na tranqüilidade do banquete, seus prazeres. (10)

. . . . . . . . .

Enriquecem, persuadidos por ações injustas.

. . . . . . . . .

Não poupando os bens sagrados nem, de modo algum, os públicos,

roubam com avidez, cada um por seu lado,

nem guardam os veneráveis fundamentos da Diké,

que, em silêncio, conhece o passado e o presente, (15)

e, com o tempo, certamente vem punir.

Essa ferida inevitável já atinge toda a pólis,

e rapidamente conduz à perversa escravidão,

que desperta a stasie e a guerra adormecida,

a qual põe termo à agradável juventude de muitos; (20)

de fato, por causa dos inimigos, rapidamente, a encantadora cidade

é destruída em conspirações que prejudicam os amigos.

Esses males se espalham entre o povo: muitos pobres

migram para uma terra estrangeira,

vendidos e atados com humilhantes grilhões. (25)

. . . . . . . . .

Assim, a desgraça pública chega a cada um em casa,

e as portas das casas não podem mais contê-la,

salta sobre o alto muro e encontra certamente,

ainda que alguém, fugindo, esteja no interior do tálamo.

Estas coisas meu coração me ordena ensinar aos atenienses: (30)



que a dianomia causa males inumeráveis à pólis,

mas a eunomia mostra tudo bem ordenado e bem proporcionado,

e, muitas vezes, agrilhoa os injustos,

abranda a violência, faz cessar o koroi, enfraquece a hybris

seca as flores nascidas da desgraça, (35)

corrige os decretos tortuosos, suaviza as ações arrogantes,

põe fim aos atos da dissensão,

e faz cessar o ódio da terrível rivalidade, e, graças a ela,

tudo entre os homens é bem proporcionado e sábio.



- Racionalismo político de Sólon: a igualdade obedecerá critérios de proporção, de justa medida, trata-se de uma igualdade hierárquica ou geométrica, não aritmética.

-Objeção de Anárcasis, citado por Plutarco: as leis seriam como teias de aranha que seguram os mais fracos, mas são facilmente rompidas pelos fortes.

- Resposta de Sólon: as vantagens recíprocas em respeitar as leis suplantam o desejo de desobedecê-las.

- Moeda como aspecto de racionalização: confere ao estado o poder de codificar, regrar e ordenar o comércio.

- A isotes aristocrática: a cidade é um cosmos feito de partes diversas, a medida justa deve conciliar forças naturais desiguais (eco na República, de Platão). Meritocracia?

- A isotes democrática: a igualdade deve ser total, aritmética, todos os cidadãos se equivalem.

- Depois de Sólon: luta entre três facções rivais leva a uma nova busca de solução ao problema da divisão da cidade.

- 1) Os aristocratas (pediakoi): ricos habitantes da cidade, donos de terras produtivas que exploram pela escravidão.

- 2) Os “do meio” (mesoi): povoam o litoral, são a nova classe média, de prestadores de serviços, que procuram evitar o triunfo dos extremos.

- 3) Os populares (diacroi): povoam as terras montanhosas do interior, são pequenos aldeões e lavradores.

- Reforma de Clístenes: propõe um sistema de dez tribos, uma divisão puramente geográfica, que abrange, no mesmo território, populações das três facções.

- A polis que surge da reforma de Clístenes é um universo homogêneo, sem hierarquia, sem diferenciação.







Cap. 7: Cosmogonias e mitos de soberania



- Advento da Filosofia: Mileto, na Jônia (cidades gregas da Ásia Menor), século VI a.C. , com Tales, Anaximandro, Anaxímenes.



- Nada existe que não seja natureza (physis): recusa das explicações míticas para a origem, composição e ordem do mundo, os mesmos processos que presenciamos hoje estavam na origem de todas as coisas.



- Burnet: “os filósofos jônios abriram o caminho que a ciência depois só teve o trabalho de seguir” e “ Seria inteiramente falso procurar as origens da ciência jônica num concepção mítica qualquer”. O Milagre grego.



- Contra a tese do “milagre”: Francis Cornford.



- Cornford: “a primeira filosofia aproxima-se mais de uma construção mítica do que de uma teoria científica”; “ignora tudo obre experimentação”, “transpõe, num vocabulário mais abstrato, a concepção religiosa do mundo”; “não procuram leis da natureza, mas uma explicação sobre a ordem que crêem ver no mundo”; “os elementos da physis equivalem a antigas divindades da mitologia”; “o cosmos dos jônios compõe-se de forças opostas que se combinam e se equilibram, se separa e se combinam”.



- Explicações físicas de Anaximandro: representações míticas (geração sexual, ovo cósmico, separação da terra e do céu anteriormente confundidos).



- Sed Contra (Vernant): apesar dessa analogias, não há realmente continuidade entre o mito e a filosofia.



- 1. A mudança de vocabulário corresponde a uma mudança de espírito e atitude intelectual.



- 2. A busca da resposta sobre as origens deve ser satisfeita com uma explicação sem mistérios, apta a ser debatida e discutida publicamente.



- 3. Os físicos da Jônia buscam deliberadamente a dessacralização e desritualização do saber.



- Relação entre polis e filosofia: os filósofos utilizam as noções morais e políticas, projetando sobre a natureza a mesma concepção de ordem e lei que havia triunfado na polis; o mundo físico é ordenado segundo uma proporção geométrica.



- As cosmogonias e teogonias são semelhantes às cosmologias enquanto são relatos sobre as origens; mas são, sobretudo, mitos de soberania, o deus vencedor pode reinar pacificamente, impondo a ordem ao mundo.



- Teogonias orientais, fonte dos gregos: o estabelecimento do poder soberano e a fundação da ordem são os troféus de uma mesma luta; o rei deve repetir, ritualmente, a façanha do deus na origem do mundo.



- A ordem existe sob a dependência do Soberano, o rei domina a hierarquia social e os fenômenos naturais, nessa mitologia, a natureza não é autônoma.



- Ferecides de Siros, teólogo, elabora uma cosmogonia centrada na luta por um reinado universal.



- Cosmogonias: o problema da origem é secundário, a “arché” tem um sentido apenas temporal, enquanto para os filósofos da Jônia “arché” é princípio não apenas cronológico, mas ontológico.



- A imagem do mundo segundo as teogonias



- 1. O universo é uma hierarquia de poderes, não pode ser descrito num esquema espacial;



- 2. A ordem foi instituída pela iniciativa de um agente;



- 3. O mundo é dominado por esse agente, trata-se de uma monarquia que mantém o equilíbrio do universo.



- As teogonias, na Grécia pós micênica: dos ritos reais só restam vestígios, daí as narrativas destacarem-se do culto e podem se constituir autonomamente, prefigurando o filósofo (Aristóteles: “o amante do mito é, de certa forma, filósofo”).



- A obra de Hesíodo: tenta descrever a gênese do cosmo segundo um movimento espontâneo, mas sua linguagem ainda é presa do vocabulário dos mitos, onde os deuses são personalidades que agem.





Cap. 8: A nova imagem do mundo


- Anaximandro: dos três milésios (Tales e Anaxímenes são os outros dois) é aquele do qual temos mais informações - introduziu a palavra “arché” no vocabulário filosófico, escreveu em prosa.



- Reconstrução genética: a ordem é projetada num quadro espacial.



- Astronomia grega: influenciada pela astronomia da Babilônia (observações, métodos e instrumentos), mas desde o princípio livre da religião astral.



- Geometrização do universo físico: representação das distâncias, posições, dimensões e movimentos dos astros num plano, assim como num plano se desenha a própria terra (o mapa de Anaximandro, as esferas).



- A imagem geométrica: a terra está no centro do Universo, é a sua posição central que a mantém estável, não há mais lugares privilegiados, mas também não é necessário pensar num suporte (Água, para Tales, ar para Anaxímenes) que a mantenha no lugar. Ao mesmo tempo, não há mais lugares privilegiados, não há hierarquia.



- O ápeiron: o elemento primordial (arché) não pode ser um elemento particular, mas uma realidade à parte. Explicação de Aristóteles: se a arché fosse um elemento particular, ele destruiria os outros, pois os elementos se definem por oposição uns aos outros.



- Apeíron e monarquia: a ordem da physis não é hierárquica, consiste num equilíbrio entre potências iguais; isso reflete a nova ordem, as novas relações de poder na polis, na cidade grega.



- A ordem não é, sobretudo, estática, consistindo numa sucessão de forças que dominam e depois cedem o domínio, como nos ciclos naturais.



- Alcmeão: a saúde como equilíbrio de contrários: úmido e seco; frio e quente, amargo e doce.



- A polis: fornece ao pensamento filosófico a ideia de lei e também a concepção de espaço, assim como na concepção de Anaximandro a terra está no centro, na cidade grega, o espaço comum, público, igualitário e laico é colocado no centro (a ágora).



- Platão: eco, no século IV, das correspondências entre a estrutura cosmos natural e a organização do cosmos social, ao insistir no aprendizado da geometria como condição para atingir as virtudes políticas.



CONCLUSÃO


- O pensamento racional surgiu solidário das estruturas sociais e mentais próprias da cidade grega (polis).

- Aristóteles: “o homem é um animal político” e “o homem é um animal racional”; a própria Razão, em sua essência, é política.

- No plano político que a razão primeiro se exprimiu na Grécia, ao colocar em discussão a ordem humana, os gregos se desfazem de concepções míticas, do plano político, a razão se alastrou para outros domínios.

- Ao se desenvolver, a filosofia afasta-se da natureza, não mais se pergunta sobre a ordem, mas qual a natureza do Ser; constrói um vocabulário próprio, uma lógica, uma racionalidade, mas não fez muitas observações, a natureza é o lugar do aproximado, que não pode ser calculado rigorosamente.

- “Em seus limites como em suas inovações, a filosofia é filha da cidade”





APÊNDICE



A Sentença de Anaximandro

“...uma outra natureza ápeiron, da qual provêm todos os céus e mundos neles contidos. E a fonte da geração das coisas que existem é aquela em que se verifica também a destruição segundo a necessidade. Pois pagam castigo e retribuição uns aos outros, pela sua injustiça, de acordo com o decreto do tempo.”

[em Simplício, Física, 24, 17]



Sentenças de sábios antigos sobre a visão de Anaximandro



“Ele diz que a terra tem forma cilíndrica, e que a sua profundidade é um terço da largura.”

Pseudoplutarco, Strom., 2.



“A sua forma é curva, redonda, semelhante ao tronco de uma coluna; das duas superfícies planas, nós caminhamos sobre uma, e a outra está do lado oposto.”

Hipólito, Refutações, I, 6, 3.



“Alguns há, como Anaximandro entre os antigos, que afirmam que ela [a Terra] se mantém imóvel devido ao equilíbrio. Pois convém que aquilo que está colocado no centro, e está a igual distância dos extremos, de modo algum se desloque mais para cima ou para baixo ou para os lados; e é-lhe impossível mover-se simultaneamente em direções opostas, pelo que se mantém fixa, por necessidade.”

Aristóteles, Sobre o céu, B 13, 295b10



“Além disso, ele diz, que o movimento, no qual nascem os céus, é eterno.”

Hipólito, Refutações, I, 6,2.



“Os corpos celestes nascem como círculos de fogo separados do fogo do mundo e cercados de ar. Há respiradouros, aberturas como as da flauta, aos quais aparecem os corpos celestes; conseqüentemente, os eclipses dão-se quando os respiradouros são obstruídos. A Lua é vista ora a aumentar,ora a diminuir consoante a obstrução ou abertura dos canais. O círculo do Sol é 27 vezes maior (do que a Terra; e o da) Lua (18

vezes). O Sol é o mais alto, e os círculos das estrelas fixas são os mais baixos”.

Hipólito, Refutações, I, 6,4-5.



“Anaximandro inventou o gnômon e o instalou sobre o relógio de Lacedemônia, para indicar o solstício e os equinócios e mostrar as horas”

D. Laércio, II, 2.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Fragmento 4 de Sólon

Fragmento 4 de Sólon




Nossa pólis jamais perecerá pela vontade de Zeus

e pelo querer dos bem-aventurados deuses imortais;

pois a tão magnânima guardiã, filha do poderoso pai,

Palas Atena, tem as mãos sobre ela.

Mas os próprios cidadãos, com seus desvarios, (5)

querem destruir a grande pólis, persuadidos por riquezas,

e injusto é o nomon dos chefes do povo, aos quais está reservado

sofrer muitas aflições por sua grande Hybris,

pois eles não são capazes de conter seu koroi

nem controlar, na tranqüilidade do banquete, seus prazeres. (10)

. . . . . . . . .

Enriquecem, persuadidos por ações injustas.

. . . . . . . . .

Não poupando os bens sagrados nem, de modo algum, os públicos,

roubam com avidez, cada um por seu lado,

nem guardam os veneráveis fundamentos da Diké,

que, em silêncio, conhece o passado e o presente, (15)

e, com o tempo, certamente vem punir.

Essa ferida inevitável já atinge toda a pólis,

e rapidamente conduz à perversa escravidão,

que desperta a stasie e a guerra adormecida,

a qual põe termo à agradável juventude de muitos; (20)

de fato, por causa dos inimigos, rapidamente, a encantadora cidade

é destruída em conspirações que prejudicam os amigos.

Esses males se espalham entre o povo: muitos pobres

migram para uma terra estrangeira,

vendidos e atados com humilhantes grilhões. (25)

. . . . . . . . .

Assim, a desgraça pública chega a cada um em casa,

e as portas das casas não podem mais contê-la,

salta sobre o alto muro e encontra certamente,

ainda que alguém, fugindo, esteja no interior do tálamo.

Estas coisas meu coração me ordena ensinar aos atenienses: (30)



que a dianomia causa males inumeráveis à pólis,

mas a eunomia mostra tudo bem ordenado e bem proporcionado,

e, muitas vezes, agrilhoa os injustos,

abranda a violência, faz cessar o koroi, enfraquece a hybris

seca as flores nascidas da desgraça, (35)

corrige os decretos tortuosos, suaviza as ações arrogantes,

põe fim aos atos da dissensão,

e faz cessar o ódio da terrível rivalidade, e, graças a ela,

tudo entre os homens é bem proporcionado e sábio.

Notas de Aula 24 de Setembro 2009

Notas para aula de Introdução à Filosofia – dia 24/09/2009




Tema: A organização do cosmo humano (Vernant, cap. 6)



- Origem religiosa da reflexão moral: o ascetismo das seitas encontra ressonância no ideal de austeridade em reação contra a ostentação e o luxo (frutos do desenvolvimento comercial)

- A nova imagem da virtude: a areté (virtude) não se manifesta mais como coragem e heroísmo guerreiros, mas a uma capacidade de controlar os apetites com rigor, com ascetismo

- A virtude ganha um aspecto mais moral ou moralizante.

- A condenação do luxo e da riqueza visam às conseqüências sociais desses excessos, as divisões e ódios que engendra na cidade.

- A riqueza: substitui os valores aristocráticos e não comporta nenhum limite, sua essência é o descomedimento (hybris)

- Sólon: “Não há termo para a riqueza. Koros, a saciedade engendra Hybris”

- Teógnis: “Quem possui quer mais ainda. A riqueza acaba por já não ter outro objeto senão a si própria”

- Sophrosyne: ideal de temperança e proporção que fundamenta a classe média na cidade, capaz de se opor aos ricos e sua ambição desmedida e também aos grupos sectários, busca de uma ordenação do cosmos (o equilíbrio)..

- Caráter “burguês” da virtude grega: uma classe média, equidistante dos ricos e dos indigentes exercerá um papel mediador entre as classes extremas.

- Agogé espartana: espírito de comedimento, de domínio das paixões, emoções e instintos.

- Sólon: estabelece uma ordem política que impõe um equilíbrio entre forças contrárias, um acordo entre rivais

- Sólon: recusa a tirania, pois a arché deve permancer no meio, no centro, igual para todos.

- Racionalismo político de Sólon: a igualdade obedecerá critérios de proporção, de justa medida, trata-se de uma igualdade hierárquica ou geométrica, não aritmética.

-Objeção de Anárcasis, citado por Plutarco: as leis seriam como teias de aranha que seguram os mais fracos, mas são facilmente rompidas pelos fortes.

- Resposta de Sólon: as vantagens recíprocas em respeitar as leis suplantam o desejo de desobedecê-las.

- Moeda como aspecto de racionalização: confere ao estado o poder de codificar, regrar e ordenar o comércio.

- A isotes aristocrática: a cidade é um cosmos feito de partes diversas, a medida justa deve conciliar forças naturais desiguais (eco na República, de Platão). Meritocracia?

- A isotes democrática: a igualdade deve ser total, aritmética, todos os cidadãos se equivalem.

- Depois de Sólon: luta entre três facções rivais leva a uma nova busca de solução ao problema da divisão da cidade.

- 1) Os aristocratas (pediakoi): ricos habitantes da cidade, donos de terras produtivas que exploram pela escravidão.

- 2) Os “do meio” (mesoi): povoam o litoral, são a nova classe média, de prestadores de serviços, que procuram evitar o triunfo dos extremos.

- 3) Os populares (diacroi): povoam as terras montanhosas do interior, são pequenos aldeões e lavradores.

- Reforma de Clístenes: propõe um sistema de dez tribos, uma divisão puramente geográfica, que abrange, no mesmo território, populações das três facções.

- A polis que surge da reforma de Clístenes é um universo homogêneo, sem hierarquia, sem diferenciação.

Fichamentos do capítulo 8 - Cosmogonias e mitos de soberania

1)



O livro do Jean-Pierre Vernant, em foco o capítulo 8, evidência a revolução intelectual filosófica marcada pela racionalidade, o uso da razão. O logos no século VIII, tendo se destacado os ensinamentos de Anaximandro que cria “o novo esquema cosmológico que marcará de maneira profunda e durável a concepção grega do universo” (p-129), que se inicia com a preocupação de estudos astronômicos.

Anaximandro falava que “o universo teria resultado de modificações ocorridas num princípio originário ou arché. Esse princípio seria o apeíron, que se pode traduzir por infinita e/ou ilimitado”, seria uma o infinitude espacial. O universo físico para este seria definido por geometrização, por uma simetria, matematizado que corresponderia a um equilíbrio.

Contrariando as ideologias mitológicas para estabilidade da Terra, demonstra-se que não é preciso de um suporte ou um elemento de construção, pois está estaria imóvel e fixa, “basta saber que todos os raios de um círculo são iguais”, afirmando que tudo é constituído por relações puramente geométricas, em que não há uma posição de domínio que exerça uma influencia sobre todas as coisas.

As noções de geometria e simetria chegam ao espaço da política concretizado na ágora, situado dentro da polis onde o demos esta numa instância de igualdade uns com os outros, um espaço público e comum, com o equilíbrio de poderes, o qual quem estaria inserido seria definido como iguais como isoi.

A idéia de igualdade diante ao espaço público, nos remete uma discussão sobre essa idéia, como Aristóteles que designava de “erro de democracia”, a igualdade geométrica cria uma igualdade entre iguais, que gera a diferenças da igualdade, ou seja, só é possível estabelecer o uso da palavra dotada de sentido, a política dentro de um grupo que tenha a mesma perspectiva, deste modo deixando à margem outros, a desigualdade na igualdade.

O texto em si mostra que existiria um cosmo, o qual é sustentado por uma geometria e uma simetria que seriam a base para um equilíbrio  universal, onde o espaço político concretiza-se na ágora em que a racionalidade é fundamental para compor esse espaço supostamente “igualitário”.


2)


No seculo VI, em mileto jonica, homens como Tales, Anaximandro, Anaximenes, mostraram um novo modo de reflexão, sobre a natureza, com um objetivo de demonstrar a origem do mundo, sua composição e sua ordem. Desvinculando-se das explicações mitologicas e fantasiosas que se tinham sobre fenomenos naturais e a cosmogonia, retirando até mesmos a alusão aos Deuses que a religião oficial associava.



Os fenomenos naturais e suas origens passaram a ser encarados e analisados com com enfasê a causalidade. A uma frase de Burnet que diz que os filosofos jônios abriram o caminho que a ciência depois só teve de seguir.



O pensamento se desvinculou da religião e esta “liberdade intelectual” coloca a inteligencia humana suscetível de ser exposta e debatida publicamente, trazendo teorias novas e encaminhando o pensamento ciêntifico. Este tipo de pensamento naturalista, onde mundo se transforma a partir de um agente natural, foi essencial para a evolução cientifica.



O mito não se pergunta como o mundo ordenado surgiu e sim quem e o deus soberano que conseguiu reinar,. A teogonia grega esboçam suas imagens do mundo da seguinte forma:



1. O universo e uma hierarquia de poderes, e seus agentes possuem relações entre si, sobre vinculos de dominios.

2. Esta ordem foi instituida dramaticamente por um agente.

3. O mundo é dominado pelo poder desse agente único e privilegiado.

a ordenação do mundo se deve a um agente, o mundo dominado pelo poder deste agente.



O problema da gênese agora caloca-se de maneira independente. A emergencia do mundo não e mais descrita por façanhas, mais sim por realidades fisicas, céu, mar, terra, etc. Neste momento ainda tivemos muito a percorrer, mas compreendemos a importância do primeiro passo.


3)


ichamento do capítulo oito- A nova imagem do mundo, do livro As origens do pensamento Grego de Jean- Pierre Vernant; nesse capítulo tenta-se fazer uma relação entre a teoria cósmica de Anaximandro e o que ela gerou na política da polis Grega.

Anaximandro foi um filósofo, que se destaca entra os de mais porque inova o estilo de escrever, abandonando o estilo poético das teogonias. Mas a sua principal contribuição foi o seu novo olhar sobre o cosmo, que muda a concepção grega do universo. Para haver esses estudos avançados do cosmos, foi importante o contato com o oriente, principalmente com a Babilônia. Isso provou uma intensa racionalização da sociedade grega.

Com a astronomia avançando nas pesquisas gregas, começa-se “a representar a organização do universo, as posições, as distâncias e os movimentos dos astros, segundo esquemas geométricos” (p. 130) e a se distanciar do olhar mítico da explicação sobre o universo.

Na sua concepção de como seria o universo, Anaximandro coloca a Terra no centro sem se mover e sem apoio; aonde para qualquer outro lugar do universo teria a mesma distância, mostrando a igualdade entre os corpos celestes, relacionando com a geometria. Isso acaba pondo todos os elementos em igualdade, em relação uns aos outros, botando um fim na teoria de alguns filósofos de que o universo provém de um determinado elemento, exemplo que para Tales era a água.

Essa simetria entre os elementos se reflete na vida política das cidades. “A ordem não é mais hierárquica: consiste na manutenção de um equilíbrio entre as potências doravante iguais, sem que nenhuma delas deva obter sobre as outras um domínio definitivo que ocasionaria a ruína do cosmo” (p.133). Todas as classes sociais passaram a ter a mesma importância, tanto é que se cria um espaço comum, chamado de espaço político. Esse lugar se situa no centro da cidade, com a mesma distancia entre os extremos da cidade, onde todos se reúnem.

Com isso a cidade mostra-se em harmonia com o cosmo, fazendo dela uma pequena representação do universo. Tendo um equilíbrio entre as ordens sociais e a política.



4)


Para medir a amplitude da revolução intelectual realizada pelos milésios, a análise apoiar-se essencialmente na obra de Anaximandro. A doxografia dá-nos dela uma visão mais completa, ou menos sumária, que das teorias de Tales e de Anaxímenes.



Esse esquema permanece genético, como physis, como génesis, arché conserva seu valor temporal: a origem; a fonte. Os físicos pesquisam de onde e porque caminho o mundo veio a ser.



Essa geometrização do universo físico acarreta uma transformação geral das perspectivas cosmológicas; consagrada o advento de uma fora de pensamento e de um sistema de explicação sem analogia no mito.



Para compreender por que os homens podem com toda segurança andar sobre o solo, PR que a Terra não cai como o fazem os objetos em sua superfície, basta saber que todos os raios de círculo são iguais.



Sua estrutura geométirica confere ao cosmos uma organização de tipo oposto àquele que o mito lhe atribuía.



A recusa de atribuir à água, com Tales, ao ar, como Anaxímenes ou a qualquer outro elemento particular a dignidade de arché. A substancia primeira, “infinita, imortal e divina, que envolve e governa todas as coisas, Anaximandro a concebe como uma realidade à parte, distinta de todos os elementos, formando sua origem comum, a fonte inesgotável em que todos igualmente se alimentam.



Esse equilíbrio das potências não é de maneira nenhuma estático, encobre oposições e é feito de conflitos. Cada potencia por sua vez domina sucessivamente, apoderando-se do poder, recuando depois para cedê-lo, na proporção de seu primeiro avanço.



Constituído por dynámeis opostas e incessantemente em conflito, o mundo as submete a uma regra de justiça compensatória, a uma ordem que mantém nelas uma exata isotes.



Essa nova imagem do mundo, Anaximandro destacou-a com suficiente rigor para que se impusesse como uma espécie de lugar comum ao conjunto dos filósofos pré-socráticos assim como ao pensamento médico.



O regime da cidade pareceu-nos solidário de uma concepção nova do espaço, ao se projetarem em se encarnarem as instituições da Polis no que se pode chamar um espaço político.



O vínculo entre o espaço da cidade e suas instituições aparece ainda muito claramente em Platão e em Aristóteles.



O novo espaço social está centrado. O kratos, a arché, a dynasteia já não estão situados no ápice da escala social, ficam es meson, no centro, no meio do grupo humano.



Que este novo quadro espacial tenha favorecido a orientação geométrica que caracteriza a astronomia grega, que haja uma profunda analogia de estrutura, entre o espaço institucional no qual se exprime o cosmos humano e o espaço físico no qual os milésios projetam o cosmos natural.



Segundo a doxografia, se para Anaximandro a terra pode permanecer imóvel e fixa, é em razão de sua situação central (Perí meson, mese) da homoiotes, a similitude, e do equilíbrio, a isorropia.



O vínculo, tão paradoxal para nós, que Anaximandro estabelece entre a ausência de “dominação”, a centralidade, a similaridade, autoriza a comparação com um texto político de Heródoto em que voltamos a encontrar o mesmo vocabulário e a mesma solidariedade conceptual. Heródoto conta que, ao morrer o tirano Polícrates, Meandro, designado pelo finado para tomar o skeptron depois dele, convoca todos os cidadãos para a assembléia e anuncia-lhes sua decisão de abolir a tirania.



A comparação parecerá ainda mais significativa porque, entre os milésios mesmos, a concepção de um espaço físico, simetricamente organizado em torno de um centro, reproduz certas representações de ordem social.



Temos de resto uma prova das interferências que puderam produzir-se entre os valores políticos, geométricos e físicos do centro, concebido como o ponto fixo em torno do qual se ordena, na sociedade e na natureza, um espaço igualitário feito de relações simétricas e reversíveis.



Platão, o filósofo que faz inscrever no limiar da Academia: que ninguém entre aqui se não é geômetra -, dá testemunho dos vínculos que uma mesma origem, uma orientação comum estabeleceram e mantiveram por muito tempo, entre os gregos, entre pensamento geométrico e pensamento político.



5)


Anaximandro escreve em sua obra a ruptura completa com o estilo poético das teogonias e inaugura um novo gênero de esquema cosmológico que marcará de maneira profunda a concepção grega do universo.

Os físicos pesquisam de onde e por que caminho o mundo veio a ser. Mas essa reconstrução genética explica a formação de uma ordem que se encontra projetada num quadro espacial. O restabelecimento dos contatos com o Oriente Médio revela-se de uma importância decisiva para o desenvolvimento de uma ciência grega em que as preocupações de ordem astronômica desempenharam no início um papel considerável. Os jônios então, assim como desenham num mapa, situam no espaço a ordem dos cosmos; representam a organização do universo, as distâncias, o movimento dos astros, as localizações, etc.

Essa geometrização do universo físico acarreta uma transformação geral das perspectivas cosmológicas; consagra o advento de uma forma de pensamento e de um sistema de explicação sem analogia ao mito. Anaximandro situa os cosmos num espaço matematizado constituído puramente por relações geométricas. Assim se encontra apagada a imagem mítica de um mundo em planos em que o alto e baixo, em suas posições absolutas, marcam níveis cósmico em que diferenciam Potências divinas e em que as direções do espaço têm significações religiosas opostas (como céu e inferno).

A estrutura geométrica dos cosmos confere uma organização de tipo oposto àquele que o mito lhe atribuía. Já não se encontra nenhum elemento ou porção do mundo privilegiado em detrimento do outro. Para Anaximandro, nenhum elemento singular, nenhuma porção do mundo poderia dominar as demais. São a igualdade e a simetria dos diversos poderes constituintes do cosmos que caracterizam a nova ordem da natureza.

Daí a recusa de atribuir a qualquer elemento particular a dignidade de arché. Para Anaximandro, a substância primeira, infinita, que envolve e governa todas as outras coisas pertence a uma realidade a parte, distinta de todos os elementos, formando sua origem comum, a fonte inesgotável em que todos igualmente se alimentam (denominada ápeiron). A relação de igualdade entre os elementos implica uma mudança radical nas relações de poder e ordem. A ordem não é mais hierárquica portanto; consiste na manutenção de um equilíbrio entre potências iguais, sem que nenhuma delas obtenha sobre as outras um domínio efetivo que ocasionaria a ruína do cosmos. A primazia do ápeiron garante a permanência de uma ordem igualitária que, superior a todos os elementos, impõem-lhe uma lei comum.

Tal igualdade se refletiu também no espaço urbano e nas relações dos elementos que o constituem. Com isso, apareceu a noção de espaço centrado, espaço comum e público, igualitário e simétrico, mas também espaço laicizado, feito para a confrontação, o debate e a argumentação.



6)


1) Considera – se a obra de Anaximandro o melhor documento para avaliar a revolução intelectual do século viii, porque ela tem uma visão mais completa do que as teorias de Tales e Anaxímenes. Ele cria um novo gênero literário da “historía perí physeos.”

Os físicos pesquisam a existência do mundo.

2) Através da geometrização do universo físico, Anaximandro consegue localizar a terra, imóvel e centro do universo. “Acrescenta que se ela permanece em repouso nesse lugar, sem ter necessidade de nenhum suporte, é porque está a igual distância de todos os pontos da circunferência celeste e não tem nenhuma razão para ir para baixo mais que para cima, nem para um lado mais que para outro.” Assim Anaximandro rompe com as teses em que “aterra teria que flutuar sobre um elemento líquido de onde teria surgido” (Tales). E nem de estar suspensa sobre um elemento líquido de ar (Anaxímenes).

Anaximandro esclarece que todos os raios de um círculo são iguais, por isso mesmo que a terra e o que nela existe estão em perfeito equilíbrio e ordem no espaço.

3) A geometrização leva – nos e entender que o espaço social está centrado, estando a cidade equilibrada, pois os indivíduos e os grupos ocupam todos posições simétricas.

Dentro deste espaço político, todos vivem em perfeita harmonia de igualdade como diz o autor: [...] o lar público acha – se em suas relações com os múltiplos lares domésticos, mais ou menos a igual distância das diversas famílias que constituem a cidade, deve apresentá – las todas sem se identificar mais com uma que com outra. Espaço centrado, espaço comum e público, igualitário e simétrico, mas também espaço laicizado, feito para o confrontação, o debate, a argumentação, e que se opõe ao espaço religiosamente qualificado da Acrópole, assim como o domínio dos hóstia , dos assuntos profanos da cidade humana, opõe – se ao dos hierá, dos interesses sagrados que concernem aos deuses.

Que este novo quadro espacial tenha favorecido a orientação geométrica que caracteriza a geometria grega: que haja uma profunda analogia de estrutura, entre o espaço institucional no qual se exprime o cosmos humano e o espaço físico no qual os milésios projetam o cosmos natural, é o que sugere a comparação de certos textos.



7)


Após varias teorias consideradas mitológicas sobre a origem do mundo, a forma da Terra e as relações de poder, a filosofia começa a engendrar uma nova forma de os gregos ou parte deles analisarem as origens do mundo e do próprio mundo, desvinculando gradativamente de uma visão mítica, buscando assim uma mais explicação mais racional e física sobre determinados assuntos. Deste modo os pré-socráticos, como Anaximandro, desenvolveram análises e teorias sobre o princípio de tudo que existe, a arché, não somente estabelecendo teorias filosóficas, mas novas maneiras de se compreender a sociedade.

Anaximandro trata a Terra como imóvel e fixa, ele modela uma das primeiras tórias geocêntricas colocando a Terra no centro do universo, que assim não precisa ser dominada; talvez herde essa teoria dos jônios.

A astronomia é tratada de forma geométrica, assim começa a se traçar planos e tratados geométricos sobre a Terra e o Universo. A geometria também é adotada para compreensão do espaço físico e político da polis; o conhecimento da geometria é essencial para ser considerado um filósofo.

A valorização do Centro, meio, mediador ou mesoi como apaziguador de conflitos que existem numa sociedade de iguais. O espaço social está centrado no ágora onde ocorrem debates, discussões, onde se forma ou ajuda a formar grandes correntes filosóficas e a formação e sedimentação da polis.

Alcmeão define a saúde como o efeito de isonomia entre o equilibro de poderes antagônicos, porém se um poder se sobressair sobre outro poder, ocorrerá destruição deste equilíbrio.

A igualdade não representa uma sociedade sem conflitos, na verdade nela há conflitos que são atenuados , amenizados pelo poder central para o progresso da polis, buscando assim reciprocidade nas múltiplas relações.



8)


A revolução intelectual que ocorreu na Grécia neste período apoia-se também na obra de Anaximandro.

Ele que cria o novo esquema cosmológico que marcará a concepção grega do universo.

Há neste momento um restabelecimento dos contextos gregos com o Oriente; que foi decisivo para o desenvolvimento de uma ciência grega de ordem astronômica.

Para os jônios a ordem do espaço, a organização do universo, as distâncias baseavam-se em esquemas geométricos; e é a geometria que vai definir deste momento em diante a cosmologia grega.

‘ Essa geometrização do universo acarreta uma transformação geral das perspectivas cosmológicas; consagra o advento de uma forma de pensamento e de um sistema de explicação sem analogia do mito. ’ (pg. 130)

A grande importância dos estudos de Anaximandro, é que ele situa os cosmos num espaço mate matizados constituídos por relações puramente geométricas. A imagem mítica, divinizada do universo que é marcada por níveis cósmicos separados por potências divinas que é confrontado com esse universo matemático e geométrico.

As explicações que o mito pretendia explicar a estabilidade da terra na obra de Hesíodo; tornam-se inúteis e irrisórias.

Segundo Anaximandro, são a igualdade e a simetria dos diversos poderes constituintes dos cosmos que caracterizam a nova ordem da natureza; ou seja, não depende do ‘humor dos deuses os acontecimentos naturais. ’

Essa nova imagem do mundo influenciou no âmbito social, político e filosófico da Grécia. ‘ O regime da cidade pareceu-nos solidários de uma concepção nova do espaço, ao se projetarem e se encarnarem as instituições da Polis no que se pode chamar um espaço político. ‘ (pg.135)

O novo espaço individual está centrado; com relação a este centro, os indivíduos e os grupos ocupam todas as posições simétricas.

Há um centro de espaço comum e público é também laicizado; feito para a confrontação, o debate, a argumentação, que se opõe ao espaço religioso da Acrópole.

Platão associou o conhecimento da igualdade geométrica, ao fundamento dos cosmos físico, as virtudes políticas sobre a qual repousa a nova ordem da cidade.


9)


Nesse capítulo, Jean Pierre Vernant nos mostra a importância de apoiar-se a analise na obra de Anaximandro, que tem uma visão mais completa que as teorias de Tales e Anaxímenes. Anaximandro em suas obras utiliza uma linguagem que rompe com o estilo clássico. Assim a concepção grega do universo ficará marcada de forma mais profunda e durável.

A astronomia babilônica tem sua importância incontestável, que dizem através dela, Tales pode prever fenômenos como o eclipse, e fabricaram alguns também alguns instrumentos de grande importância.

A ciência grega se desenvolveu em grande parte, pelo contato que tiveram com os povos do oriente. A ciência grega ganhou um caráter mais geométrico e mais profano, livre das religiões astrais. Assim, podemos notar a diferença entre a ciência grega e ao babilônico que tanto inspirou os povos gregos. A fase de analogia sem o mito, deveu-se a geometrização do universo físico, onde ocorreram transformações no modo de se pensar o cosmos.Anaximandro colocou a Terra imóvel no centro do universo, e que segundo ele, ela estaria em repouso, sem nada que a sustentasse.Anaximandro explica isso na perspectiva da Física, não se baseando nas explicações místicas que existia na época.

Anaximandro defende que nenhum elemento singular, poderia dominar as demais e que os diversos poderes constituintes são a igualdade e à simetria que caracterizarão a nova ordem da natureza.

Anaximandro concebe a arché como uma realidade à parte, distinta de todos os elementos que Forman uma origem em comum, muito diferente do pensamento de Tales e de Anaxímenes.

Na concepção de Aristóteles é preciso que os elementos estejam em uma igualdade de poder, pois se não estiverem ele seriam destruídos. Na perspectiva de Anaximandro o mito que estabelecia a ordem, na verdade é destruidora da ordem. Deve-se manter um equilíbrio entre potencias, sem que nenhuma se sobreponha a outra.

O equilíbrio que existe entre as potencias não é algo que seja equilibrado, as potencias apoderam- se do poder, fazem o conflito acontecer. As potências se aliam, apesar dos conflitos para conceber um único cosmos.

Com a nova perspectiva de mundo, Anaximandro destacou-se de tal forma que conseguiu obter um lugar de destaque entre os filósofos.

O conceito de contrários foi utilizado A.G.Vlastos, que definia a saúde como efeitos opostos (úmido, seco, o frio e o quente...).

A concepção de um novo quadro espacial, favoreceu a direção geométrica que marcou a astronomia Grega.Em Heródoto, vemos o mesmo vocabulário e solidariedade vista em Anaximandro, que visa a ausência de dominação.Heródoto conta que ao morrer o tirado Polícrates designou Meandro a acabar com a tirania.

A déia de um espaço físico, organizado em torno de um centro faz analogia a certas apresentações de ordem social. Na antiguidade imaginavam-se a Terra tendo como centro a Grécia e Delfos no centro da Grécia. Heródoto, com tom ironia rebate algumas explicações sobre a forma da Terra. Platão agrega a igualdade geométrica, fundamento do cosmos físicos às virtudes políticas sobre quais repousam a nova ordem da cidade. Os homens e deuses estão ligados por uma comunidade, feita de amizade, ordenação de moderação e justiça, mais negligenciam a geometria, por mais sábios que sejam.



10)



Anaximandro não introduziu apenas em seu vocabulário um termo da importância de arché; preferindo escrever em prosa, completa a ruptura com o estilo poético das teogonias e inaugura o novo gênero literário próprio da história Peri physeos. É nele que se encontra expresso o novo esquema cosmológico que marcará de maneira profunda e durável a concepção grega do universo.

O restabelecimento dos contatos com o Oriente revela-se de uma importância decisiva para o desenvolvimento de uma ciência grega em que as preocupações de ordem astronômica desempenharam no início um papel considerável. Por seu caráter profano, livre de toda religião astral, a astronomia grega coloca-se num plano diferente do da ciência babilônica de que se inspira. Os jônios situam no espaço a ordem do cosmo; representam a organização do universo, as posições, as distâncias, as dimensões e os movimentos dos astros, segundo esquemas geométricos. Essa geometrização acarreta uma transformação geral das perspectivas cosmológicas; consagra o advento de uma forma de pensamento e de um sistema de explicação sem analogia no mito.

Sua estrutura geométrica confere ao cosmos uma organização de tipo oposto aquele que o mito lhe atribuía. Essa fórmula de Anaximandro mostra persistência de um vocabulário e de conceitos políticos no pensamento cosmológico dos jônios; sustenta esse domínio uma tese que vai além da que expõe seu discípulo Anaxímenes. Para ele, a Terra tem necessidade de repousar no ar que a domina; para Anaximandro, nenhum elemento poderia dominar as demais. São a igualdade e a simetria dos diversos poderes constituintes do cosmos que caracterizam a nova ordem da natureza. A supremacia pertence somente a uma lei de equilíbrio e de constante reciprocidade.

A basiléia, a monarquia, que no mito estabeleciam a ordem e a sustentavam, aparecem, na perspectiva nova de Anaximandro, como destruidoras da ordem. Esse equilíbrio de potencias não é de maneira nenhuma estático; encobre oposições e é feito de conflitos. Cada potência por sua vez domina sucessivamente, apoderando-se do poder, recuando depois para cedê-lo, na proporção de seu primeiro avanço.

A experiência social não forneceu ao pensamento cosmológico o modelo de uma lei e de uma ordem igualitárias que se substituem à dominação onipotente do monarca. O regime da cidade pareceu-nos solidário de uma concepção nova do espaço, ao se projetarem e se encarnarem as instituições da Polis no que se pode chamar um espaço político. Os primeiros urbanistas são na realidade teóricos políticos: a organização do espaço urbano não é mais que um aspecto de um esforço mais geral para ordenar e racionalizar o mundo humano.

O novo espaço social está centrado; é este centro que é agora valorizado porque constitui um ponto fixo para o equilíbrio. Com relação a este centro, os indivíduos e os grupos ocupam posições simétricas. A ágora forma o centro de um espaço público e comum. Todos que nele penetram se definem, por isso mesmo, como iguais; por sua presença nesse espaço político entram, uns com os outros, em relações de perfeita reciprocidade. A instituição do Lar público é símbolo dessa comunidade política. Espaço centrado, espaço comum e público, igualitário e simétrico, feito para a confrontação, o debate, a argumentação, e que se opõe ao espaço religiosamente qualificado da Acrópole.

Destas correspondências entre a estrutura do cosmos natural e a organização do cosmos social, Platão associa estreitamente o conhecimento da isotes, da igualdade geométrica, às virtudes políticas sobre as quais repousa a nova ordem da cidade.


11)


Para medir a amplitude da revolução intelectual realizada pelos milésios, a análise deve apoiar-se essencialmente na obra de Anaximandro. [...] É nele, finalmente, que se encontra expresso com o maior rigor, o novo esquema cosmológico que marcará de maneira profunda e durável a concepção grega do universo. Esse esquema permanece genético. [...] Mas essa reconstrução genética explica a formação de uma ordem que se encontra agora projetada num quadro espacial. (p 129)

Essa geometrização do universo físico acarreta uma transformação geral das perspectivas cosmológicas; consagra o advento de uma forma de pensamento e de um sistema de explicação sem analogia no mito. (p 130)

Anaximandro situa, pois o cosmos num espaço matematizado constituído por relações puramente geométricas. (p 131)

Para Anaxímenes, a Terra tem necessidade de repousar no ar que a domina (synkratei) como a alma domina o corpo. [...] Para Anaximandro, nenhum elemento singular, nenhuma porção do mundo poderia dominar as demais. São a igualdade e a simetria dos diversos poderes constituintes do cosmos que caracterizam a nova ordem da natureza. [...] Daí a recusa de atribuir à água, como Tales, ao ar, como Anaxímenes ou a qualquer outro elemento particular a dignidade de arché. (p 132)

A basileia, a monarchia, que no mito estabeleciam a ordem e a sustentavam, aparecem, na perspectiva nova de Anaximandro, como destituidoras da ordem. A ordem não é mais hierárquica; consiste na manutenção de um equilíbrio entre potências doravante iguais, sem que nenhuma delas deva obter sobre as outras um domínio definitivo que ocasionaria a ruína do cosmos. (p 133)

Sob o jugo dessa dike (justiça) igual para todos, as potências elementares associam-se, coordenam-se segundo uma oscilação regular, para compor, apesar de sua multiplicidade e de sua diversidade, um cosmo único. (p 134)

Mas a experiência social não forneceu somente ao pensamento cosmológico o modelo de uma lei e de uma ordem igualitárias que se substituem à dominação onipotente do monarca. [...] a organização do espaço urbano não é mais que um aspecto de um esforço mais geral para ordenar e racionalizar o mundo humano. [...] O novo espaço social está centrado. [...] É este centro que é agora valorizado; a salvação da polis repousa sobre os que se chamam hoi mesoi, porque, estando a igual distância dos extremos, constituem um ponto fixo para equilibrar a cidade. [...] A agora, que realiza sobre o terreno essa ordenação espacial, forma o centro de um espaço público e comum. Todos os que nele penetram se definem, por isso mesmo, como iguais, como isoi. (p 135)

Segundo a doxografia, se para Anaximandro a terra pode permanecer imóvel e fixa, é em razão de sua situação central (perí meson, mese), da homoiotes, a similitude, e do equilíbrio, a isorropia. Encontrando-se assim no centro, não está, acrescentava Anaximandro, dominada (kratoumene) por nada. (p 136)

[...] entre os milésios mesmos, a concepção de um espaço físico, simetricamente organizado em torno de um centro, reproduz certas representações de ordem social. (p 137)

Temos de resto uma prova das interferências que puderam produzir-se entre os valores políticos e físicos do centro, concebido como o ponto fixo em torno do qual se ordena, na sociedade e na natureza, um espaço igualitário feito de relações simétricas e reversíveis. (p 138)

Fustigando, no Górgias, na pessoa de Cálicles e pela boca de Sócrates, todos os que se recusam a estudar a geometria, Platão associa estreitamente o conhecimento da isotes, da igualdade geométrica, fundamento do cosmos físico, às virtudes políticas sobre as quais repousa a nova ordem da cidade: a dikaiosyne e a sophrosyne. (p 139)



12)


Anaximandro não introduziu apenas em seu vocabulário um termo da importância de arché (a origem, a fonte), preferindo escrever em prosa, completa a ruptura com o estilo poético das teogonias e inaugura o novo esquema cosmológico que marcará de maneira profunda e durável a concepção grega do universo.

Por seu aspecto geométrico, não mais aritmético, por seu caráter profano, livre de toda religião astral, a astronomia grega coloca-se, desde o primeiro momento, num plano diferente do da ciência babilônica de que se inspira. Essa geometrização do universo físico acarreta uma transformação geral das perspectivas cosmológicas, consagra o advento de uma forma de pensamento e de um sistema de explicação sem analogia no mito. Para exemplificar, Anaximandro localiza a terra, imóvel, no centro do universo. Acrescenta que se ela permanece em repouso nesse lugar, sem ter necessidade de nenhum suporte, é porque está a igual distancia de todos os pontos da circunferência celeste e não tem nenhuma razão para ir para baixo mais que para cima, nem para um lado mais que para outro.

Anaximandro situa, pois o cosmos num espaço matematizado constituído por relações puramente geométricas.  Tudo está dito, tudo está claro logo que se esboça o esquema espacial. Para compreender por que os homens podem com toda segurança andar sobre o solo, por que a Terra não cai como o fazem os objetos em sua superfície, basta saber que todos os raios de um círculo são iguais. Se a Terra está situada no centro de um universo, perfeitamente circular, pode permanecer imóvel em razão de sua igualdade de distancia, sem estar submetida à dominação de qualquer coisa que seja.

Para Anaximandro nenhum elemento singular, nenhuma porção do mundo poderia dominar as demais. São a igualdade e a simetria dos diversos poderes constituintes do cosmos que caracterizam a nova ordem da natureza. A supremacia pertence exclusivamente a uma lei de equilíbrio e de constante reciprocidade. À monarchia um regime de isonomia se substitui, na natureza como na cidade.

A basileia, a monarchia, que no mito estabeleciam a ordem e a sustentavam, aparecem, na perspectiva nova de Anaximandro, como destruidoras da ordem. A ordem não é mais hierárquica, consiste na manutenção de um equilíbrio entre potências doravante iguais, sem que nenhuma delas deva obter sobre as outras um domínio definitivo que ocasionaria a ruína do cosmos.

O equilíbrio das potências não é de maneira nenhuma estático, encobre oposições e é feito de conflitos. Cada potência por sua vez domina sucessivamente, apoderando-se do poder, recuando depois para cedê-lo, na proporção de seu primeiro avanço. No universo, na sucessão das estações, no corpo do homem, um ciclo regular faz passar assim a supremacia de um a outro, ligando, como dois termos simétricos e reversíveis, o domínio e a submissão, a extensão e a retração, a força e a fraqueza, o nascimento e a morte de todos os elementos – esses elementos que para Anaximandro “segundo a ordem do tempo se fazem mutuamente reparação e justiça, pela adikia que cometeram”.



Essa nova imagem do mundo, Anaximandro destacou-a com suficiente rigor para que se impusesse como uma espécie de lugar comum ao conjunto dos filósofos pré-socráticos assim como ao pensamento médico.

O novo espaço social está centrado. É este centro que é agora valorizado; a salvação da polis repousa sobre os que se chamam hoi mesoi, porque, estando a igual distancia dos extremos, constituem um ponto fixo para equilibrar a cidade. Com relação a este centro, os indivíduos e os grupos ocupam todos posições simétricas. A ágora, que realiza sobre o terreno essa ordenação espacial, forma o centro de um espaço público e comum. Todos os que nele penetram se definem, por isso mesmo, como iguais, como isoi.

Que este novo quadro espacial tenha favorecido a orientação geométrica que caracteriza a astronomia grega; que haja profunda analogia de estrutura, entre o espaço institucional no qual se exprime o cosmos humano e o espaço físico no qual os milésios projetam o cosmos natural, é que sugere a comparação de certos textos.

Segundo a doxografia, se para Anaximandro a terra pode permanecer imóvel e fixa, é em razão de sua situação central, a similitude, e do equilíbrio. Encontrando-se assim no centro, não está, acrescentava Anaximandro, dominada por nada.

Destas correspondências entre a estrutura do cosmos natural e a organização do cosmos social, Platão mostra-se ainda plenamente consciente no século VI. O filósofo que faz inscrever no limiar da Academia: que ninguém entre aqui se não é geômoetra -, dá testemunho dos vínculos que uma mesma origem, uma orientação comum estabeleceram e mantiveram por muito tempo, entre os gregos, entre pensamento geométrico e pensamento político.



13)


A polis foi o ponto de partida para toda a evolução do pensamento grego tais como, o teatro a política e, sobretudo a filosofia, seu desenvolvimento e consolidação foi de suma importância para o crescimento do Ocidente.

Até então, eram os deuses quem controlava toda a organização da polis grega porem, eles não eram capazes de responder questões sobre a existência, discussões referentes à ordem humana ou astronômica, ocasionando o seu declínio e fortalecendo o pensamento através da razão.

Posteriormente, a polis destacou-se no plano político tornando-se objeto de reflexão teórica o que ocasionou alterações nas relações sociais e interpessoais tais como no convívio em sociedade e, sobretudo nas formas de governo.

Exemplo disto são os pensamentos filosóficos realizados por Anaximandro e Anaxímenes que retratam as formas de dominação e poder que podem ser comparadas as sociedades.

Anaximandro realiza a geometrização do universo físico encerrando com o todo o pensamento místico sobre o poder de dominação do mundo, em contrapartida Anaxímenes acreditava que a Terra repousa sobre o ar afirmando então que há um meio de dominação de poder exercido sobre a Terra.

Contudo, tais pensamentos, e outros que surgiram durante o desenvolvimento da polis, tornaram-se objetos fundamentais de reflexão e despertaram pensamentos sociais substituindo a dominação do monarca e dando uma nova visão frente a polis como não sendo apenas uma cidade e sim uma instituição política.

Conclui-se então, que o nascimento da filosofia e o crescimento da polis se deu com vínculos estreitos que desencadearam outros processos, porém foi no plano político que esta se firmou tendo o debate e a argumentação como elementos essenciais, e a controvérsia, as diferenças de pensamento como o regime de movimentação das sociedades.



14)



No Cap. VIII “A Nova Imagem do Mundo”, Vernant fala sobre a revolução intelectual partindo da obra de Anaximandro e o escolhe por se tratar de uma visão mais completa e que vai discorrer sobre a ruptura num tom mais poético, inaugurando, assim, um novo gênero literário. É na obra de Anaximandro que se encontra expresso o novo esquema cosmológico que marcará de maneira profunda e durável a concepção grega de universo.

O restabelecimento dos contatos com o Oriente foi decisivo para o desenvolvimento de uma ciência grega em que as preocupações de ordem astronômica desempenharam papel importante. De aspecto geométrico (não mais aritmético) e de caráter profano (livre de religiões) a astronomia grega se coloca num plano diferente do da ciência babilônica da qual se inspira. A geometrização do universo físico acarreta uma transformação geral das perspectivas cosmológicas, pois busca explicar o universo sem fazer analogias com os mitos.

Então, para Anaximandro:

- a Terra está imóvel e no centro do universo;

- o cosmos está situado num espaço materializado, constituído por relações puramente geométricas;

- todas as explicações pelas quais o mito pretendia justificar a estabilidade da Terra são inúteis e irrisórias (a Terra não tem necessidade de “suporte” ou de “raízes”, não tem que flutuar sobre elementos líquidos, etc.);

- a estrutura geométrica confere ao cosmos uma organização de tipo oposto àquele que o mito lhe atribuía, assim, não há lugares mais privilegiados do que outros e não há porção do mundo que possa dominar as demais;

- a supremacia pertence exclusivamente a uma lei de equilíbrio (de igualdade e simetria).

A basileia, a monarchia, que no mito estabeleciam a ordem e a sustentavam, para Anaximandro são destruidoras da ordem. A ordem, por sua vez, não é mais hierárquica, pois consiste na manutenção de um equilíbrio entre potências iguais e nenhuma delas deve obter domínio sobre a outra, pois isso seria a ruína do cosmos. Assim, a ordem é igualitária, fundada na reciprocidade das relações que são impostas por uma lei comum.

O novo espaço social está centrado e os que são chamados de hoi mesoi são a salvação da polis, pois constituem um ponto fixo de equilíbrio para a cidade. Neste centro, os indivíduos e os grupos ocupam posições simétricas, são todos iguais e mantêm relações de reciprocidade. Este espaço centrado também é laicizado, feito para a confrontação, o debate, a argumentação.

A analogia da comparação do quadro espacial de orientação geométrica pode ser feita tanto para o espaço físico que se projeta o cosmos natural, quanto para o espaço institucional no qual se exprime o cosmos humano. Isso porque a concepção de um espaço físico, simetricamente organizado em torno de um centro, reproduz certas representações de ordem social.

Percebe-se, assim, a forte ligação entre o pensamento geométrico e o pensamento político.



15)


Deve se utilizar à obra de Anaximandro para analisar a revolução intelectual só século VIII, por ela conter uma visão mais completa do que as teorias  elaboradas por outros pensadores. Criou um novo conceito importante que foi usado por muito tempo, para o termo "arché", criando um novo esquema cosmológico. Escrevendo em prosa, abandonando a poesia, e criando assim um novo gênero literário chamado de "peri physios".

Desenvolveu uma nova ciência grega, ressaltando uma considerável importância para a preocupação com a ordem astronômica. Com um aspecto geométrico e mais aritmético, livre de toda religião astral colocou-se num plano diferente da ciência que se inspirava a ciência babilônica. Nessa nova ciência a organização do espaço, posição, distancia, era representado seguindo esquemas geográficos. Essa nova teoria transforma a visão geral das perspectivas cosmológicas consagrando uma forma de pensamento e sistema de explicação sem analogia do mito. Exemplificando a terá como imóvel, no centro do universo. Dizendo que ela permaneceu imóvel neste lugar, a mesma distancia dos outros corpos celestes do universo e sem necessidade de locomover.

Esse novo pensamento cosmológico influenciou uma nova experiência social, um modelo de lei e ordem igualitária que substituem a dominação onipotente do monarca. Adotando o que se pode chamar de espaço político, inspirado em uma concepção nova do espaço, se projetando e encarnando as instituições da Polis. Criando um vinculo entre espaço da cidade e suas instituições, o que fica bem claro em Platão e Aristóteles



16)


Para medir a amplitude de revolução intelectual realizada pelos milésios, a análise deve apoiar-se essencialmente na obra de Anaximandro. A divida dos milésimos para com a astronomia babilônica é incontestável. Os jônios situam no espaço a ordem do cosmos; representam a organização do universo, as posições, as distancias, as dimensões e os movimentos dos astros, segundo esquemas geométricos. Fazendo assim o mundo, fazem dele, no sentido pleno do termo, uma theona, um espetáculo.

Essa geometrização do universo físico acarreta uma transformação geral das perspectivas cosmológicas; consagra o advento de uma forma de pensamento e de um sistema de explicação sem analogia no mito. Anaximandro localiza a terra, imóvel, no centro do universo. Para Anaximandro. Ao contrário, nenhum elemento singular, nenhuma porção do mundo poderia dominar as demais. São a igualdade e a simetria dos diversos poderes constituintes do cosmos que caracterizam a nova ordem da natureza, como Tales. Não há razão para pôr em dúvida e pertinência do raciocínio de Aristóteles e rejeitar a interpretação que propõe do pensamento de Anaximandro. Notar-se-á que a argumentação aristotélica implica uma mudança radical nas relações do poder e da ordem. A Basiléia, a monarquia, que no mito estabeleciam a ordem e a sustentavam, aparecem, na perspectiva nova de Anaximandro, como destruidoras da ordem. A primazia do ápeiron garante a permanência de uma ordem igualitário fundada na reciprocidade das relações e que, superior a todos os elementos, impõe-lhes uma lei comum.

No universo, na sucessão das estações no corpo do homem. Essa nova imagem do mundo, Anaximandro destacou-a com suficiente rigor para que se impusesse com uma espécie de lugar comum ao conjunto dos filósofa pré-socráticos assim como ao pensamento médico. O regime da cidade pareceu-nos solidário de uma concepção nova do espaço, ao se projetarem e se encarnarem as instituições da Polis no que se pode chamar um espaço político.

O novo espaço social está centrado. O tcratos, a atulhe, a dynasteia já não estão situados no ápice da escala social, ficam es meson, no centro, no meio do grupo humano. Espaço centrado, espaço comum e público, igualitário e simétrico, mas também espaço laicizado, feito para a confrontação, o debate, a argumentação, e que se opõe ao espaço religiosamente qualificado da Acrópole. assim como o domínio dos hósia, dos assuntos profanos da cidade humana, opõe-se ao dos hierá, o dos interesses sagrados que concernem aos deuses.

Da homoiotes, a similitude, e do equilíbrio, a isorropia. no centro, e proclamo para vós a isonomia."O autor acrescenta: Os antigos imaginavam a Terra habitada mais ou menos redonda, com a Grécia no centro e Delfos no centro da Grécia. do espaço físico: Apos o desastre que sofreram, todos os jônios se encontram reunidos no Paniônio.

Temos de resto uma prova das interferências que puderam produzir-se entre os valores políticos, geométricos e físicos do centro, concebido como o ponto fixo em torro do qual se ordena, na sociedade e na natureza, um espaço igualitário feito de relações simétricos e reversíveis. Hestia, símbolo na agora da nova ordem humana poderá designar em Filolao o fogo cósmico central, em outros filósofos, a Terra que permanece imóvel no meio do universo lisicodo.

Destas correspondências entre a estrutura do cosmos natural e a organização do cosmos social Platão mostra-se ainda plenamente consciente no século IV. O filósofo que faz inscrever no limiar da Academia: que ninguém entre aqui se não é geômetra, dá testemunho dos vincules que uma mesma ongem, uma orientação comum estabeleci coram e mantiveram por muito tempo, entre os pregos. Fustigando, no Górgias, na pessoa de Cálicles e pela boca de Sócrates, todos os que se recusam a estudar a geometria, Platão associa estreitamento o conhecimento da estes, da igualdade geométrica, fundamento do cosmos físico, às virtudes políticas sobre as quais repousa a nova ordem da cidade: a dikaiosyne e a sophrosyne.



17)



O capítulo oito, A nova Imagem do Mundo da obra de Jean-Pierre Vernant, elucida o surgimento de uma necessidade de organização do mundo – da representação cósmica - na Grécia antiga.

O tema central do capítulo é a ideia de revolução intelectual grega do século VII. É de nosso conhecimento que à partir do momento em que a imagem do mundo é organizada de forma racional-filosófica, podemos apreender que a civilização que a pratica está no uso de uma razão, de uma racionalidade na organização cosmológica. Isto é, colocar em ordem o universo é um grande passo para o distanciamento de algo mais contemplativo, passando para algo mais reflexivo, científico.

Em se tratando de Grécia, segundo Vernant, a príncipal obra que demonstra essa organização universal é a de Anaximandro, diz o autor:

“É nele [Anaximandro], (...), que se encontra expresso com maior rigor, o novo esquema cosmológico que marcará de maneira profunda e durável a concepção grega de universo” (p. 129).

Os gregos se afastam do mito e através das ideias de geómetras e astronômos consagram a “geometrização do universo físico”, fazendo uma “transformação geral dos perspectivas cosmológicas” (p. 130)

Segundo Vernant, Anaximandro situa o universo num espaço matemática e geometricamente construído e constituído. A terra estaria no centro universo, perfeitamente circular, imóvel e sem estar “submetida à dominação de qualquer coisa” [nesta passagem o autor se refere aos elementos primeiros da origem do universo – água, fogo, vázio... Origem defendida por outros filosofos da época]. A simetria perfeita traria o equilíbrio.

O espaço político sofre influência – influencia essa - dessa racionalidade, dessa geometrização. Segundo Vernant, dentro da pólis grega “a ágora, que realiza sobre o terreno essa ordenação espacial, forma o centro de um espaço público e comum. Todos os que nele penetram se definem, por isso mesmo, como iguais, como isoi.”

Portanto a cidade à partir do centro, ou seja, da ágora, em perfeita simetria, se organiza em torno dela, num equilibrio que reflete o cosmos e a ordem social e política.


18)


A obra do filosofo Anaximandro conclui o rompimento com a poética dos mitos, criando uma nova literatura que vigorosamente expõe a nova maneira de compreender a cosmologia.

Os físicos tentam explicar a ordem do mundo através do espaço; da astronomia. Esta, por sua vez, diferindo-se da astronomia babilônica, deixa de ter a religião como um referencial. Anaximandro, com um pensamento lógico, coloca a Terra no centro do universo e as explicações do mito sobre o planeta deixam de fazer sentido. A partir do exemplo da Terra, que está no centro do universo e em igualdade com outros corpos celestes, a idéia do domínio (kratos) foi abalada. “Para Anaximandro... nenhum elemento singular, nenhuma porção do mundo poderia dominar as demais.” (p.132). Assim, Anaximandro rejeita a idéia de definir um elemento da natureza como um princípio único. Deverá haver um equilíbrio entre os elementos, “...esse equilíbrio das potências não é de maneira nenhuma estático; encobre oposições e é feito de conflitos.” (p.133). Porém, jamais um elemento dominará eternamente, sempre cederá seu lugar a outro, que fará a mesma coisa. Segundo Anaximandro, essas forças conflituosas são regidas por uma lei igual para todas elas.

O planejamento da pólis aderiu a essa nova forma de pensamento: os que antes dominavam, agora estão em igualdade com os dominados. O espaço público é o lugar comum, todos que o freqüentarem estão em igualdade, equilíbrio e harmonia. E , assim como os elementos da natureza, se opõe e não há um homem que domine todos os outros. O espaço para o debate e encontro dos cidadãos era no centro da polis, pois representava o equilíbrio de todos e a falta de dominação, que nessa nova concepção passou a significar uma desordem, “...se para Anaximandro a Terra pode permanecer imóvel e fixa, é em razão de sua situação central...Encontrando-se assim no centro, não está, acrescenta Anaximandro, dominada (kratoumene) por nada.” (p.136).