domingo, 20 de setembro de 2009

Fichamentos do capítulo 6: A organização do cosmos humano

1)



Os grandes cataclismas que periodicamente destroem a humanidade, os raros sobreviventes e sua descendência tiveram que descobrir os meios elementares de subsistência e, depois, reencontrar as artes que embelezam a vida. Essa invenção nomeou-na Sabedoria.

Para elaborar as noções fundamentais da nova ética grega, pode-se dizer, que o ponto de partida da crise é de ordem econômica, que ela reveste a origem religiosa ao mesmo tempo em que social, mas que, nas condições próprias à cidade, leva definitivamente ao nascimento de uma reflexão moral e política, da ordem e da desordem no mundo humano.

Houve a procura de terra, procura do alimento, procura também do metal, levando à expansão grega pelo Mediterrâneo.

Seduzida pelo luxo, pelo requinte, pela opulência, a aristocracia grega do século VII inspira-se, em seus gostos, em seus costumes, nesse ideal faustoso e delicado, que caracteriza o mundo oriental.

A concentração da propriedade territorial em pouquíssimas mãos, faz da questão agrária o problema capital desse período arcaico. A população de artesão, nos setores de cerâmicas e metalurgia, no final do século VIII, substitui-se o bronze nos objetos de produção corrente.

Mas no século VII, a oposição que se aviva entre “urbanos” e “rurais”, e que povoa as aldeias periféricas, determinam a produção de alimento.

As diferenças entre o mundo fenício e o mundo grego geram mudanças técnicas e econômicas.

Deixando o campo livre ao desencadeamento das paixões individuais e as relações sociais aparecem marcadas pela violência, pela astúcia, pela arbitrariedade e pela injustiça.

O esforço da renovação é ao mesmo tempo religioso, jurídico, político, econômico, sempre visando fixar um limite à sua ambição, à sua iniciativa, ao seu desejo de poder, submetendo-os a uma regra geral cuja coação se aplique igualmente a todos.

Deve-se estabelecer entre os cidadãos um justo equilíbrio a garantir a eunomia. Assim conciliar, harmonizar esses elementos para deles fazer uma só comunidade, uma cidade unida.

Sólon associa a atividade orientada em ordenar a vida social, reconciliar e unificar a cidade.

A angústia diante das violências e os ódios que a vingança desperta é o inverso movimento de renovação produzida pela religiosidade, diretamente na realidade social, orientando a legislação e reformas, elas próprias vão transformar-se na instituição judiciária e política de pensamento político.

Quando a cidade, o juiz representa o corpo cívico, a comunidade em seu conjunto. Sua consciência, e de acordo com a lei, são as próprias noções de prova, de testemunho e de julgamento.

A atividade judiciária contribuirá para elaborar a noção de uma verdade objetiva, que o processo amigo ignorava.


2)


Com base no estudo dirigido a respeito do Capítulo VI torna-se a priori o esclarecimento acerca do que no capítulo o autor aponta como a constituição de uma nova imagem da areté. Diante de um quadro de efervescência religiosa é natural que a reflexão moral mesmo que orientada por anseios políticos provocasse mudança concepção da virtude até então aristocrática e de cunho natural e guerreiro (orgulhoso); areté despoja-se de tais características para se assumir enquanto representação da virtude que contrariará os ideais do corrompimento do sentimento puro humano, dos sentimentos e dos impulsos que se voltam ao comportamento destemperado.

A sociedade é tomada pelo desejo da justiça e realização da boa moral, denunciando o que nesses quadros não se encaixa e estabelecendo para a riqueza, o luxo e ostentação status reles de perdição e violência contra o ser humano.Para ilustrar tais padrões comportamentais, transmissão e veiculação desses valores, estabelece-se de um lado a nova areté e o ideal de sophrosyne e de outro a habrosyne e/ou hybris do rico, ao meu ver subtende-se o rico materialmente pobre espiritualmente ,e a pobreza material a possibilidade de enxergar a necessidade da moral e da alimentação da virtude humana, da riqueza espiritual. A sophrosyne nesse sentido representa a temperança dentro do ideal da nova Areté, a contra idéia em relação à riqueza ambiciosa e que não busca outro fim a não ser ela mesma e ao mesmo tempo também a contra idéia da pobreza que nada tem materialmente e tudo almeja, a ponderança (sophrosyne) se faz moralmente necessária ao ser humano e se encarna nele; de maneira que representa o equilíbrio. “A sophrosine, virtude do justo meio, corresponde a imagem de uma ordem política que impõe um equilíbrio a forças contrárias(...)”(p. 90.) Equilibrio entre paixão e emoção e razão e raciocínio num mesmo ser e/ou corpo político. Delineam-se porém fora das seitas políticas e/ou religiosas suas reais significações morais e políticas. Há uma separação clara nas duas correntes que empregam seu pensamento, sendo uma voltada à salvação individual e a outra voltada a salvação da cidade, enquanto uma busca a pureza religiosa, a outra atribui a sophrosyne a responsabilidade por um novo conteúdo político não religioso mas positivo socialmente. Em Esparta assume um caráter social enquanto representação da necessidade de comedimento humano. “A sophrosyne submete assim cada indivíduo, em suas relações com outrem ,a um modelo comum conforme a imagem que a cidade se faz do homem político”(p.97)

O equilibrio político buscado tanto por uma quanto por outra corrente política grega vem calcada em ideais de equidade, e marcadas pela busca de um equilibrio nas forças políticas e sociais que regem a cidade e seus agentes. A corrente aristocrática parte de uma noção de eunomia em que se estabelece de acordo com uma medição das funções e agente sociais uma hierarquia de importância e de poder de atuação e/ou decisão social.Essa medida conciliará forças desiguais preponderando as melhores sobre as piores. “(...) as classes baixas são mantidas na posição inferior que lhes convém, sem sofrer entretanto nenhuma injustiça. A igualdade realizada permanece proporcional ao mérito.”(p.103) A corrente democrática parte de um princípio básico em que define todos os cidadãos enquanto iguais, tendo os mesmos direito no que se refere a participação na vida pública e política. A noção de isonomia prevê a igualdade plena e total nos direitos políticos e no acesso a arché. Seria o reconhecimento das diversidades presentes na cidade por meio da igualdade em âmbito público e político.

A diversidade vivida ao longo do tempo é evidenciada o conflito que precede a Clístenes em que três facções se representam na luta pelo poder ateniense um conjunto complexo de realidades sociais a partir de laços de solidariedade tribais e territoriais: “os pediakói são os homens da planície, do pedíon, isto é , na realidade os habitantes da cidade,com as ricas terras que cercam a aglomeração urbana; os parálios povoam o litoral marítimo; os diácrios são os homens da montanha,os do interior do país” (p.104). A essas divisões se aplicam diferenças de vida e de estatuto social assim como de orientação política, os pediakoí são aristocratas e requerem a posse de seus bens, os parálios representam os mesoi, lutam para que não haja sucesso de nenhum extremo (sophrsyne), os diácrios são um partido popular em que se agrupam aldeões,lenhadores, excluídos da organização tribal e da cidade aristocrática no âmbito da participação na vida pública, sendo servos dessas famílias rivais entre si no jogo político em questão. Clístenes representará o rompimento dessas estruturas e a possibilidade de fundação da pólis sobre uma base nova, em que é abolida a estrutura tribal e em seu lugar cria-se um sistema desvinculado de consaguinidades e comprometido geograficamente em sua divisão que de quatro passa a ter dez tribos representativas dentro das quais se mistura as ‘populações’ e propicia a administração à fusão e unificação do corpo social sob o principio verdadeiro da isonomia, apresentando assim pólis um universo homogêneo, sem hierarquia, dividida por meio de todo o domínio da vida pública, tornando-se espaço comum e que nele se representa o centro da cidade e não mais em um personagem único, mas no coletivo ali igualmente representado, em detrimento da desigualdade social aponta-se a igualdade cívica. Num movimento circular “ocupando e cedendo sucessivamente, segundo a ordem do tempo, todas as posições simétricas que compõem o espaço cívico.” (p.107.)



3)



No capitulo VI Vernant fala sobre como era organizada a sociedade, fala sobre a importancia da riqueza e que ela substitui todos os valores arusticráticos: casamento, honras, previlégios, reputação, poder, tudo pode obter. A riqueza também é a causa da injustiça e opressão; mas a frente no texto Vernant fala sobre o papel da classe média: “a classe média que poderá desempenhar na cidade o papel moderador, estabelecendo um equilibro entre os extremos dos dois bordos” (pag 90); a criação do conceito de que todos são iguais perante a lei; fala sobre a noção de sophrosyne em “A sophrosyne realiza uma cidade harmoniosa e concorde, onde os ricos, longe de desejar sempre mais, dão aos pobres o que lhes sobre e onde a massa, longe de entrar em revolta, aceita submeter-se àqueles que, sendo melhores, têm direito a possuir mais.” (pag 95); A importância do agogé como forma do homem aprender a dominar a si mesmo; A noção de que cada homem possui seu lugar na cidade “A cidade forma um conjunto organizado, um cosmos, que se torna harmonioso se cada um de seus componentes está em seu lugar possui a porção de poder que lhe cabe em função de sua própria virtude.” (pag 98); A noção de igualdade: “Onde se encontra então a igualdade? Ela reside no fato de que a lei, que agora foi fixada, é a mesma para todos os cidadãos e que todos podem fazer parte dos tribunais como da assembléia. Antes eram o “orgulho”, a “violência de ânimo” dos ricos que regulavam as relações sociais.” (pag 98); fala também sobre a corrente democrática: “A corrente democrática vai mais longe; define todos os cidadãos, como tais, sem consideração de fortuna nem de virtude, como “iguais” que têm os mesmos direitos de participar de todos os aspectos da vida pública.” (pag 103)



4)



Para uma harmonia entre os homens, uma organização, que e citada no titulo, uma sociedade desigual, sem morais vigentes, sem algo para equilibrar os dois extremos (o da riqueza e o da pobreza), seria difícil chegar a harmonia, para isso servia a religião na época, como o próprio autor fala, a religião não produziu apenas o “nascimento do direito”, mais“ também um esforço de reflexão moral, orientado por especulações políticas”, tendo os homens a moral, a política manteria a ordem mais facilmente.

Mas possui a riqueza que não possui virtude, mais possui vícios, a riqueza faz o homem querer mais, cada vez mais, gerando como o próprio autor comenta, a “ injustiça e opressão”.Segundo este a classe media desempenhava o papel de apaziguadora, dando equilíbrio entre os ricos e os pobres, já que o rico quer mais do que possui e os pobres quer aquilo que não possui, como o equilíbrio entre ambos e possível se ter a harmonia.Esse equilíbrio e feito pela” sophnosyne, virtude do justo meio, corresponde a imagem de uma ordem política que impõe um equilíbrio a forças contrarias, que estabelece um acordo entre elementos rivais”, utilizando a palavra como ferramenta, sendo esta lei comum aos dois lados, tendo dessa forma Sólon contra a tirania, cujas leis são impostas.

Como o equilíbrio, para se manter a ordem para Sólon precisa-se ser criado o espaço da igualdade que será responsável pela criação da ordem. Mas esta igualdade proposta por Sólon não e no sentido de tornar ricos e pobres, nobres e não nobres iguais, apenas manter casa um em seu devido lugar, de acordo com sua virtude, sendo uma igualdade hierárquica, com isso manterá a organização e a harmonia.

“Onde se encontra então a igualdade? Ela reside no fato de que a lei, que agora foi fixada, e a mesma para todos os cidadãos e que todos podem fazer parte dos tribunais como da assembléia.”

“A isso Sólon opunha o exemplo das convenções que os homens observam, porque nenhuma das duas partes contratantes tem interesse em violá-las.Trata-se pois, de promulgar para a cidade regras que codificam as relações entre indivíduos, segundo os mesmos princípios positivos de vantagem recíproca que presidem ao estabelecimento de um contrato”.

“O fenômeno terá as conseqüências econômicas que se conhecem: nesse plano representará na sociedade grega uma espécie de fator de profunda transformação, orientando-a no sentido do mercantilismo”.

“E efetivamente notável que as duas grandes correntes que se opõem no mundo grego, uma de inspiraçao aristocrática e outra de espírito democrático, coloquem-se em sua polemica no mesmo terreno e reclamem igualmente a oquidade, a isotes.A corrente aristocrática encara, na perspectiva da eunomia de Sólon, a cidade como um cosmos feito de partes diversas, mantidas pela lei numa ordem hierárquica.

“A harmonia da eunomia implica, pois, o reconhecimento, no corpo social como no individuo, de um certo dualismo, de uma polaridade entre o bem e o mal, a necessidade de assegurar a preponderância do melhor sobre o pior”.



5)



A efervescência religiosa contribuiu para a reflexão moral do individuo. Certos agrupamentos religiosos eram contra a ostentação material, ao desenvolvimento do comércio, ao comportamento dos ricos e pregava a purificação do homem. Com isso houve uma modificação da virtude (areté). Antes a areté estava ligada a aristocracia guerreira e a opulência no modo de vida. Agora ela se opôs, pois esta relacionada com a moral, como uma disciplina rígida para se controlar contra as tentações mundanas.

A riqueza, segundo os meios sectários, é a causa de todos os males da sociedade e é ilimitada, porque o homem a ambiciona cada vez mais (hybris) e isso transforma os seus valores e conseqüentemente gera a injustiça, a opressão, a dysnamia.

Em contraste com a riqueza, tem-se o ideal de sophrosyne, que é a justa medida. O surgimento da classe média (os mesoi) tem como finalidade equilibrar as classes extremas, sendo assim o mediador da riqueza e da pobreza. Ela irá provocar a união dos grupos, porque eles querem para si a arché, e então Sólon será o arbitro empregando um cosmos harmonioso na Pólis. A sophrosyne corresponde a uma ordem política que impõem o equilíbrio entre os conflituosos. Porém é necessário aplicar uma lei superior as partes, uma dike, que deve ser igual para todos e a mesma, a fim de extirpar os conflitos sociais.

A justiça naturalmente de regulamenta. É do feitio do homem, sendo influenciado pela hybris, causar a desordem. A justa medida deve acabar com a opulência dos ricos e acabar com a escravidão, mas evitando a subversão e ao questionamento do cidadão.

Então o homem se vê dividido entre dois elementos distintos: as da ordem do thymós, a afetividade as emoções, as paixões, o que é da ordem da prudência, do racional. Com a cura da loucura é capaz de equilibrar o thymós.

A Pistis é associada à Sophrosyne, em que se preza a confiança entre os cidadãos, pois os inferiores confiam e obedecem a seus superiores e se submetem as suas ordens. Essas duas correntes são diferentes, a sophrosyne se preocupa com a salvação individual e é de cunho religioso, já a pistis esta interessada com a salvação da cidade.

Na instituição espartana, a sophrosyne aparece com um caráter social, é imposto e deve ser comedido nas ações humanas, dominando as emoções, as paixões e seus instintos. Os sábios faziam apologia a esses valores.

As reformas constitucionais criam um espaço para a igualdade, a isotes, que será um dos fundamentos da concepção da ordem, mas trata-se de uma igualdade hierárquica, não existe direito igual a todas as magistraturas nem a propriedade territorial. A igualdade se encontra nas leis que são as mesmas para todos e a população pode participar da assembléia. Anteriormente, a própria aristocracia que regulava as relações sociais e com isso impõem sua norma de equidade. A classe média oferece o equilíbrio à cidade, amenizando a constante luta dos extremos para se aponderar da arché.

É neste momento que se institui a moeda no Estado e terá tanto conseqüências econômicas, ordenado os intercâmbios de bens e serviços entre os cidadãos; como também intelectuais, pela noção racional de uma medida comum.

As duas correntes a aristocrática e a democrática reclamam igualmente a equidade a isotes. A aristocracia acha que a cidade é composta por partes diferentes, mantidas por uma lei, numa ordem hierárquica. A medida justa possui forças naturalmentes desiguais e prevalece sobre a outra, certo dualismo em que o melhor se sobressaia sobre o pior. Portanto as camadas inferiores não sofrem injustiças, pois a igualdade é proporcional ao mérito (eunomia).

A corrente democrática defini que todos os cidadãos, sem nenhum tipo de restrição, são iguais e que tem os mesmos direitos de participar da vida publica (isonomia). Realizaram-se as reformas de Clístenes, uma organização política, que soluciona um problema: qual lei deve ordenar a Cidade para unificar a sociedade multivariada?

Durante o período de Sólon à tirania, três facções lutavam pelo poder na Àtica (Atenas). Elas representavam sociedades tribais e territoriais. Os peiakois (a aristocracia) são os homens da planície, habitantes da cidade que defendem seus privilégios; os paralios (os mesoi) povoam no litoral marítima e os diácrios (classe popular) que vivem nas montanhas afastadas dos centros urbanos.

Essas facções são abolidas com o arcontado de Clístenes, que cria dez tribos, que são estabelecidas por questões geográficas e realiza a mistura das populações, gerando uma unificação social. A Pólis se apresenta como um universo homogêneo e a arché pertencem a todos. Fixa-se um rodízio de poderes, em que cada tribo terá de percorrer a totalidade do espaço físico e político.



6)



Os "físicos da Jônia", dentre eles: Tales, Anaximandro e Anaxímenes, defendem um caráter racional valorizando a totalidade do ser e apresentam a tese de que nada existe que não seja natureza (physis), ou seja, tudo faz parte de um só universo, porém a natureza vive em constantes mudanças conforme o passar do tempo, o que contraria diversos pontos de vista do pensamento mítico, no qual alega que o que os deuses determinaram seria inalterável. Devido à essa importante mudança na terra jônica, num aspecto intelectual, a transição do pensamento mítico para o racional é chamada de "milagre grego", pois esta possibilitaria um avanço da ciência, isto é, um possível leque de dúvidas e perguntas de diversos intelectuais não seria mais censurado como na época onde a mitologia clássica predominava. Porém, num estudo mais recente que o surgimento do pensamento grego, Francis Macdonald Cornford discorda dos "físicos da Jônia" e alega que dentre o pensamento mítico e uma teoria científica, o mais filosófico seria o primeiro, pois a crença serve exatamente para responder aquilo que os filósofos não conseguiram provar o contrário, ou deuses tinham resposta para tudo e são citados diversos exemplos na obra de Vernant como a origem da luz de Zeus, a sombra brumosa de Hades e etc.

O autor do livro faz um papel de historiador na obra, abordando os diversos pontos de vista dos "filósofos jônios" desde às crenças e o uso do pensamento mítico até o início das teorias racionais, contudo, diz: "os filósofos não precisaram inventar um sistema de explicação do mundo: acharam-no já pronto" e "já não se trata apenas de encontrar na filosofia o antigo, mas de destacar o verdadeiramente novo: aquilo que faz, precisamente, com que a filosofia deixe de ser mito para ser filosofia. Cumpre, por conseguinte, definir a mutação mental de que a primeira filosofia grega dá testemunho, precisar sua natureza, sua amplitude, seus limites, suas condições históricas". Então, pode-se afirmar que, Vernant posiciona-se de uma maneira, na qual, não importa mais a rixa entre a razão e a fé e sim o que as duas proporcionam de diferente na construção de uma teoria unificada. No caso do chamado "milagre grego", o papel dos jônios é importante devido a imposição de certas duvidas e perguntas sobre aquilo que nunca ninguém provou a real existência, no caso, dos deuses mitológicos.

Como sabemos, a Teogonia significa "a origem dos deuses", isto é, como o pensamento mítico surgiu e isso, por sua vez, se diferencia em importantes pontos, numa análise, dos mitos de soberania orientais, como na Babilônia, por exemplo. Talvez, a grande diferença entre essas duas linhas de pensamentos ficava nas mãos dos reis, que não só dominavam a hierarquia social, como também intervinha no andamento dos fenômenos naturais, algo assemelhante aos Astecas, por exemplo.



7)



A organização do cosmos humano pode ser definida como a organização do espaço, não somente geográfico, ou político, o espaço somado à filosofia.

É nesse espaço humano que acontecem transformações, de conceitos, de pensamentos, de definições.

A transformação da virtude guerreira (areté) é a primeira citada. Esta que será transformada em virtude moral, fazer aquilo que lhe é destinado, nesse momento os costumes dos nobres serão altamente criticados, pois abomina-se o luxo, o prazer, a riqueza, a injustiça e a arrogância. Sólon surge como um sábio que se coloca como um “mediador”, cada um tem consciência de sua arché, e isso impõe limite à ambição de muitos. Ainda que ele não seja um “defensor dos pobres”. Veremos isso.

É preciso entender: arché (a origem, principio que deveria estar presente em todos os momentos), cosmos (ordem, organização, o universo em seu conjunto), hybris (tudo que passa da medida), pleonexia (desejo de ter mais que os outros), sophrosyne (sanidade moral, autocontrole, autoconhecimento).

A hybris do rico terá em contraposição a sophrosyne, “nada em excesso”, em Esparta, a sophrosyne será ligada ao comedimento, domínio de si.

Democráticos e aristocráticos queriam a isotes (igualdade), mesmo que cada um à sua maneira. Sólon trata de uma igualdade hierárquica, geométrica, “igualdade entre os iguais, desigualdade entre os desiguais”, termo aristotélico. Assim, todos cidadãos são iguais para participarem dos tribunais, apenas, a verdadeira essência é: cada qual em seu lugar para o cosmos da cidade se tornar harmonioso, os ricos cessam com seus desejos, dão aos pobres o excedente, estes aceitam que os primeiros são melhores. Domínio do maior sobre o menor.

Na reforma de Clístenes, a definição é diferente. Anteriormente ao seu domínio Atenas era dominada por três facções: pediakói, parálios, diácrios. Na sequência: homens da cidade, homens que povoavam o litoral, homens da zona periférica. Clístenes conseguiu uni-los com o objetivo de inseri-los em um universo homogêneo. Quando antes eram três tribos, agora seriam dez, em cada uma delas teriam pessoas das três tribos anteriores. Dessa fusão forma-se o cosmos circular, onde cada indivíduo percorrerá o circuito e haverá uma rotatividade do poder.



8)



Algumas virtudes guerreiras foram substituídas por virtudes religiosas e morais. Em principio vários grupos ligados a religião pregaram conceitos que prevaleciam uma sensibilidade maior das coisas, pregando uma maior atenção às distrações que eram caminhos para a tentação e ao prazer, seguindo esse pensamento todo o luxo foi rejeitado. Esses novos conceitos acabam por influenciar a moral da sociedade, que acaba encarando e mudando vários hábitos e valores que se tinham.



A palavra “sophrosyne” tem o significa de “nada em excesso”. Essa palavra traz os conceitos contraditórios para o homem, pois de um lado está às emoções e do outro a razão. Tanto na política como na parte moral esta palavra assume um conceito muito necessário, numa a individualista é o ponto chave, na outra a objetivo é o bem estar de todos. Uma procura e se preocupa com a pureza a outra está interessada em tornar publico os problemas que o Estado tem com sua divisão.



Duas grandes correntes de pensamento se formou: a aristocracia e a democrata. A aristocrata tinha uma idéia de cidade composta por diferentes partes que são organizadas por uma única ordem hierárquica, a harmonia aqui tinha como fundamento o confronto entre o bem e o mal. A classe baixa tem a posição inferior e não tem injustiça nenhuma. Já a democracia tem como principio a igualdade de todos, aqui todos tem seus direitos da vida pública e a harmonia repousa neste conceito de igualdade.



As tribos tinham um nome que correspondia a sua região que Atenas estava dividida. O primeiro é formado por homens que vivam nas planícies e tem um caráter aristocrata, são os pediakoí. Os parálios são homens que habitavam o litoral e tinham como objetivo de equilibrar o poder. E os diácrios eram homens de regiões mais afastadas da cidade, estes tinham um partido mais popular, que era composto por pessoas daquele meio sem nenhuma influência aristocrata.



Clístenes teve por objetivo “misturar” as experiências que cada tribo tinha, estas iam se juntar as populações diferentes a sua formação. A primeira tribo iria trabalhar com o litoral da cidade, a segunda ia trabalhar ma parte periférica da cidade e a terceira ficou com o centro urbano. Toda essa “troca” houve uma unificação do corpo social.



9)



De acordo com Vernant, a efervescência religiosa na Grécia Antiga possibilitou, através de articulações políticas, a uma reinterpretação do ideal de moral estabelecida naquela sociedade criando assim novas perspectivas a respeito da virtude (areté) e de “estilo de vida” (habrosyne).

As tendências ascéticas praticadas por religiosos são encontradas também, segundo o autor, sendo praticadas “em plena vida social, modificando as condutas, os valores, as instituições (...)” (VERNANT, Jean-Pierre. 2000. p. 66). Dessa forma, percebe-se a rejeição de certos “vícios” praticados pela sociedade, tais como: a moleza, o prazer, o luxo e, inclusive, a riqueza. Assim, pode-se notar a atuação de um ideal de temperança, de justa medida (sophrosyne) contrastando com o orgulho, paixão, luxúria (hybris) da camada mais rica da sociedade. Vernant procura demonstrar que a sophrosyne tem correspondência com “a imagem de uma ordem política que impõe um equilíbrio de forças contrárias, que estabelece um acordo entre elementos rivais” (VERNANT, Jean-Pierre. 2000. p. 67). Para que esse equilíbrio ocorra é necessário que exista uma lei superior (dike) que seja igual para todos na sociedade. Desse modo, a sophrosyne submete os indivíduos a um modelo comum que está relacionado à imagem que a cidade faz do homem político.

Para o autor, para se compreender como o ideal de sophrosyne é recoberto pelas realidades sociais, é necessário pensar sobre reformas constitucionais, como a que Sólon propõe (a justa medida). Sólon parte do pressuposto de que para que se tenha a justa medida é forçoso que se tenha a igualdade dos cidadãos perante a lei, possibilitando que todos participem tanto dos tribunais como da assembléia. Nesse viés, as antigas relações que se davam pela força deveriam ser substituídas por relações de caráter “racional”, visando sempre proporcionar a igualdade entre os indivíduos através do ideal de sophrosyne, presidindo o estabelecimento de um contrato.

Nesse sentido, duas correntes de pensamento buscam reclamar a equidade (isotes) de maneira diferenciada uma da outra. A primeira delas, a corrente aristocrática, enxerga “a cidade como um cosmos feito de partes diversas, mantidas pela lei numa ordem hierárquica” (VERNANT, Jean-Pierre. 2000. p. 74). Assim, a justa medida conciliaria forças naturalmente desiguais, contudo deveria assegurar o predomínio (não acentuado) de uma sobre a outra, dessa maneira, as camadas mais baixas da sociedade seriam mantidas num patamar inferior sem que sofressem injustiças, pois a igualdade seria proporcional ao mérito de cada camada. A segunda corrente, chamada democrática “define todos os cidadãos, como tais, sem consideração de fortuna nem de virtude, como ‘iguais’ que têm os mesmos direitos de participar de todos os aspectos da vida pública.” (VERNANT, Jean-Pierre. 2000. p. 76). A corrente democrática defendia então, uma igualdade plena e total entre todos os cidadãos.

Outra das reformas constitucionais citadas pelo autor é a de Clístenes que funda a Polis sobre uma nova base que põe fim à organização tribal. As tribos são divididas novamente levando-se em consideração a posição geográfica em que se encontram, possibilitando assim a “mistura” das populações. Dessa forma, a organização administrativa “responde, pois, a uma vontade deliberada de fusão, de unificação do corpo social. Além disso, uma divisão artificial do tempo civil permite a igualação completa da arché, entre todos os grupos semelhantes assim criados.” (VERNANT, Jean-Pierre. 2000. p. 78).

Assim, para Vernant, será através da lei da isonomia que a sociedade tomará forma de “cosmos circular e centrado em que cada cidadão, por ser semelhante à todos os outros, terá que percorrer a totalidade do circuito, ocupando e cedendo sucessivamente, segundo a ordem do tempo, todas as posições simétricas que compõe o espaço cívico.” (VERNANT, Jean-Pierre. 2000. p.79)



10)



A efervescência religiosa não contribui samente para o nascimento do Direito. Preparou também um esforço de reflexão moral, orientado por especulações políticas.

O temor da impureza, a cujo papel na origem da legislação sobre o homicídio nos referimos, encontrava sua mais intensa expressão na aspiração mística a uma vida pura de todo contato sangrento. Nos agrupamentos religiosos, não somente a Arete se despojou de seu aspecto guerreiro tradicional, mas defini-se por sua forma de sensibilidade o ideal de habrosyne: a virtude é o futuro de uma longa e penosa áskesis, de uma disciplina dura e severa, a meleté.

O fausto, a moleza, o prazer são rejeitados; o luxo proscrito do costume, da habitação, das refeições; a riqueza é denuncia e com que violência! Mas a condenação visa a suas conseqüências sócias, aos males que ela engendra no grupo, ás divisões e aos ódios que súcita na cidade, ao estado de stasis que provoca como por uma espécie de lei natural. A riqueza substitui todos os valores aristocráticos: casamento, honras, privilégios, reputação, poder, tudo pode obter. Doravante, é o dinheiro que conta, o dinheiro que faz o homem. Ora, contrariamente a todos os outros “poderes”, a riqueza não comporta nenhum limite: nada há nela que possa marcar seu termo, limitá-la, realizá-la totalmente. A essência da riqueza é o descomedimento; ela é a própria figura que a hybris toma no mundo.

Fazem eco as palavras de Teógnis:

“Os que têm mais ambicionam o dobro.”

Ploutos comporta efetivamente aos olhos do grego uma fatalidade, mais não de ordem econômica; é a necessidade imanente a um caráter, a um ethos, a lógica de um tipo de contra-senso de que se reveste, na Idade do ferro (Transformação metalúrgica do ferro substitui a do bronze, as mudanças que ocorreram na Grécia após a chegada dos Dóris) a arrogância aristocrática, este espírito de Eris quem em lugar de uma nobre emulação, não pode mais gerar senão injustiça, opressão, dysnomia.

Em contraste com a hybris do rico, delineia-se o ideal da sophrosyne. É feito de temperança, de proporção, de justa medida, de justo meio. “Nada em excesso”, tal é a fórmula da nova sabedoria. Essa valorização do ponderado, do que é mediador, dá à Arete grega um aspecto mais ou menos “burguês” é a classe média que poderá desempenhar na cidade o papel moderador, estabelecendo um equilíbrio entre os extremos dos dois bordos: a minoria dos ricos que querem tudo conservar, a multidão das pessoas pobres que querem tudo obter.

Em posição mediana no grupo, os mesoi têm por papel estabelecer uma proporção, um traço de união entre os dois partidos que dilaceram a cidade, porque cada um reivindica para si a totalidade da arché. À sophrosyne, virtude do justo meio, corresponde à imagem de uma ordem política que impõe um equilíbrio a forças contrarias que estabelece um acordo entre elementos rivais.

Mais, como no processo, sob sua forma nova, a arbitragem supõe um juiz que, para aplicar sua decisão, ou para impôla se necessário, refere-se a uma lei superior às partes, uma dike que deve ser para todos igual e a mesma. “È para preservar o reino dessa lei comum a todos que Sólon recusa a tirania, já a seu alcance.

A justa medida, para restabelecer a ordem e a besychie, deve, pois, ao mesmo tempo quebrar a arrogância dos ricos, fazer cessar a escravidão do demos, sem ceder por isso à subversão. Tal é o ensinamento que Sólon expõe aos olhos de todos os cidadãos.



11)



A efervescência religiosa não contribuiu somente para o nascimento do Direito. Preparou também um esforço de reflexão moral, orientado por especulações políticas. O temor da impureza encontrava sua mais intensa expressão na aspiração mística a uma vida pura de todo contato

sangrento. Da mesma maneira, ao ideal de austeridade que se afirma no grupo em reação contra o desenvolvimento do comércio, a ostentação do luxo, a brutal insolência dos ricos, corresponde ao ascetismo preconizado em certos agrupamentos religiosos.



Os meios sectários puderam assim contribuir para fazer uma imagem nova da areté. As mesmas tendências encontradas em tais meios são também encontradas em ação em plena vida social, modificando condutas, valores e instituições.



O desenvolvimento do pensamento moral e da reflexão política prosseguirá nessa linha: às relações de força tentar-se-á substituir relações de tipo "racional", estabelecendo em todos os

domínios uma regulamentação baseada na medida e visando a proporcionar, a "igualar" os diversos tipos de intercâmbio que formam o tecido da vida social.



É efetivamente notável que as duas grandes correntes que se opõem no mundo grego, uma

de inspiração aristocrática e outra de espírito democrático, coloquem-se em sua polêmica no mesmo terreno e reclamem igualmente a eqüidade, a isotes. A corrente aristocrática encara, na perspectiva da eunomia de Sólon, a cidade como um cosmos feito de partes diversas, mantidas pela lei numa ordem hierárquica, que implica no reconhecimento, no corpo social como no indivíduo, de um certo dualismo, de uma polaridade entre o bem e o mal, a necessidade de assegurar a preponderância do melhor sobre o pior. A homónoia repousa sobre o ideal de que a medida justa deva conciliar forças naturalmente desiguais, assegurando uma preponderância sem excesso de uma sobre a outra.



Segundo o Testemunho de Aristóteles sobre a situação em Tarento, a intenção de Arquitas ao dizer: "Uma vez descoberto o cálculo raciocinado (logismós), põe fim ao estado de stasis e traz a

homónoia; pois em conseqüência disso, não há mais pleonexia e a isotes se realiza; e é por ela que se efetua o comércio em matéria de intercâmbio contratual; graças a isso, o pobres recebem dos poderosos, e os ricos dão aos necessitados, pois têm uns e outros a pistis de que terão por esse meio a isotes, a igualdade." teria sido, na prática, manter a apropriação individual dos bens nas mãos dos "melhores" na condição de que concedessem que deles desfrutasse a massa dos pobres, de maneira que encontrasse cada um sua conveniência, na situação assim regulamentada. Para os partidários da eunomia, a eqüidade é introduzida nas relações sociais graças a uma conversão moral, a uma transformação psicológica da elite: em vez de procurar poder e riqueza, os "melhores" são formados por uma paideia filosófica para não desejar ter mais(pleonectein),mas ao contrário, por espírito de generosa liberalidade, para dar aos pobres que, de seu lado, se encontram na impossibilidade material de pleonectein. Assim as classes baixas são mantidas na posição inferior que lhes convém, sem sofrer entretanto nenhuma injustiça. A igualdade realizada permanece proporcional ao mérito.



A corrente democrática vai mais longe; define todos os cidadãos, como tais, sem consideração de fortuna nem de virtude, como "iguais" que têm os mesmos direitos de participar de todos os aspectos da vida pública.



A organização administrativa responde a uma vontade deliberada de fusão, de unificação do corpo social. Além disso, uma divisão artificial do tempo civil permite a igualação completa da arché, entre todos os grupos semelhantes assim criados.



O mundo das relações sociais forma então um sistema coerente, regulado por relações e correspondências numéricas que permitem aos cidadãos manter-se "idênticos", entrar uns como os outros nas relações de igualdade, de simetria, de reciprocidade, compor todos em conjunto um

cosmos unido.



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Em A organização do cosmos humano, Vernant mostra como a efervescência religiosa intensifica o temor da impureza, aqui entendido como homicídio, e produz um novo significado para Arete, que passa a ter um valor religioso, condenando ações tais como: desenvolvimento do comércio, ostentação do luxo, a insolência dos ricos, ou seja, para ser virtuoso o homem não deveria desfrutar de riquezas materiais.

Ao contrário do que se pretendia, essa nova concepção causou uma verdadeira revolução dentre a sociedade grega, que não se conformou com a idéia de não poder saciar sua ânsia de querer sempre mais. Tal atitude cria um contraste com o conceito de sophrosyne, pois este considera a temperança, ou seja, “nada em excesso”, como a fórmula da nova sabedoria.

Juntamente com essa nova concepção de virtude, agora interpretada do ponto de vista religioso, a àgora passa a representar um centro de exploração dos sentidos dados aos ensinamentos divinos. Tais ensinamentos eram postos em discussão, criando, dessa maneira, uma idéia de contraste. Doença-cura, loucura-saúde, impureza-purificação, são alguns dos exemplos que compõem um jogo, representando um equilíbrio entre as partes contrastantes.

Essa idéia de equilíbrio compunha o que seria o cosmos humano, pois o que se pretendia era uma sociedade homogênea, sem hierarquias. A sociedade passaria a ser composta por cidadãos semelhantes entre si, em que cada um respeitaria seu espaço, estabelecendo a ordem de um espaço cívico.

Um comentário:

  1. Muito bom seu trabalho.
    Uma pergunta: por que ele se divide em 12 partes se o livro tem apenas 8 capítulos, mais uma introdução e uma conclusão?
    Obrigada!

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