segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Fragmento 4 de Sólon

Fragmento 4 de Sólon




Nossa pólis jamais perecerá pela vontade de Zeus

e pelo querer dos bem-aventurados deuses imortais;

pois a tão magnânima guardiã, filha do poderoso pai,

Palas Atena, tem as mãos sobre ela.

Mas os próprios cidadãos, com seus desvarios, (5)

querem destruir a grande pólis, persuadidos por riquezas,

e injusto é o nomon dos chefes do povo, aos quais está reservado

sofrer muitas aflições por sua grande Hybris,

pois eles não são capazes de conter seu koroi

nem controlar, na tranqüilidade do banquete, seus prazeres. (10)

. . . . . . . . .

Enriquecem, persuadidos por ações injustas.

. . . . . . . . .

Não poupando os bens sagrados nem, de modo algum, os públicos,

roubam com avidez, cada um por seu lado,

nem guardam os veneráveis fundamentos da Diké,

que, em silêncio, conhece o passado e o presente, (15)

e, com o tempo, certamente vem punir.

Essa ferida inevitável já atinge toda a pólis,

e rapidamente conduz à perversa escravidão,

que desperta a stasie e a guerra adormecida,

a qual põe termo à agradável juventude de muitos; (20)

de fato, por causa dos inimigos, rapidamente, a encantadora cidade

é destruída em conspirações que prejudicam os amigos.

Esses males se espalham entre o povo: muitos pobres

migram para uma terra estrangeira,

vendidos e atados com humilhantes grilhões. (25)

. . . . . . . . .

Assim, a desgraça pública chega a cada um em casa,

e as portas das casas não podem mais contê-la,

salta sobre o alto muro e encontra certamente,

ainda que alguém, fugindo, esteja no interior do tálamo.

Estas coisas meu coração me ordena ensinar aos atenienses: (30)



que a dianomia causa males inumeráveis à pólis,

mas a eunomia mostra tudo bem ordenado e bem proporcionado,

e, muitas vezes, agrilhoa os injustos,

abranda a violência, faz cessar o koroi, enfraquece a hybris

seca as flores nascidas da desgraça, (35)

corrige os decretos tortuosos, suaviza as ações arrogantes,

põe fim aos atos da dissensão,

e faz cessar o ódio da terrível rivalidade, e, graças a ela,

tudo entre os homens é bem proporcionado e sábio.

Notas de Aula 24 de Setembro 2009

Notas para aula de Introdução à Filosofia – dia 24/09/2009




Tema: A organização do cosmo humano (Vernant, cap. 6)



- Origem religiosa da reflexão moral: o ascetismo das seitas encontra ressonância no ideal de austeridade em reação contra a ostentação e o luxo (frutos do desenvolvimento comercial)

- A nova imagem da virtude: a areté (virtude) não se manifesta mais como coragem e heroísmo guerreiros, mas a uma capacidade de controlar os apetites com rigor, com ascetismo

- A virtude ganha um aspecto mais moral ou moralizante.

- A condenação do luxo e da riqueza visam às conseqüências sociais desses excessos, as divisões e ódios que engendra na cidade.

- A riqueza: substitui os valores aristocráticos e não comporta nenhum limite, sua essência é o descomedimento (hybris)

- Sólon: “Não há termo para a riqueza. Koros, a saciedade engendra Hybris”

- Teógnis: “Quem possui quer mais ainda. A riqueza acaba por já não ter outro objeto senão a si própria”

- Sophrosyne: ideal de temperança e proporção que fundamenta a classe média na cidade, capaz de se opor aos ricos e sua ambição desmedida e também aos grupos sectários, busca de uma ordenação do cosmos (o equilíbrio)..

- Caráter “burguês” da virtude grega: uma classe média, equidistante dos ricos e dos indigentes exercerá um papel mediador entre as classes extremas.

- Agogé espartana: espírito de comedimento, de domínio das paixões, emoções e instintos.

- Sólon: estabelece uma ordem política que impõe um equilíbrio entre forças contrárias, um acordo entre rivais

- Sólon: recusa a tirania, pois a arché deve permancer no meio, no centro, igual para todos.

- Racionalismo político de Sólon: a igualdade obedecerá critérios de proporção, de justa medida, trata-se de uma igualdade hierárquica ou geométrica, não aritmética.

-Objeção de Anárcasis, citado por Plutarco: as leis seriam como teias de aranha que seguram os mais fracos, mas são facilmente rompidas pelos fortes.

- Resposta de Sólon: as vantagens recíprocas em respeitar as leis suplantam o desejo de desobedecê-las.

- Moeda como aspecto de racionalização: confere ao estado o poder de codificar, regrar e ordenar o comércio.

- A isotes aristocrática: a cidade é um cosmos feito de partes diversas, a medida justa deve conciliar forças naturais desiguais (eco na República, de Platão). Meritocracia?

- A isotes democrática: a igualdade deve ser total, aritmética, todos os cidadãos se equivalem.

- Depois de Sólon: luta entre três facções rivais leva a uma nova busca de solução ao problema da divisão da cidade.

- 1) Os aristocratas (pediakoi): ricos habitantes da cidade, donos de terras produtivas que exploram pela escravidão.

- 2) Os “do meio” (mesoi): povoam o litoral, são a nova classe média, de prestadores de serviços, que procuram evitar o triunfo dos extremos.

- 3) Os populares (diacroi): povoam as terras montanhosas do interior, são pequenos aldeões e lavradores.

- Reforma de Clístenes: propõe um sistema de dez tribos, uma divisão puramente geográfica, que abrange, no mesmo território, populações das três facções.

- A polis que surge da reforma de Clístenes é um universo homogêneo, sem hierarquia, sem diferenciação.

Fichamentos do capítulo 8 - Cosmogonias e mitos de soberania

1)



O livro do Jean-Pierre Vernant, em foco o capítulo 8, evidência a revolução intelectual filosófica marcada pela racionalidade, o uso da razão. O logos no século VIII, tendo se destacado os ensinamentos de Anaximandro que cria “o novo esquema cosmológico que marcará de maneira profunda e durável a concepção grega do universo” (p-129), que se inicia com a preocupação de estudos astronômicos.

Anaximandro falava que “o universo teria resultado de modificações ocorridas num princípio originário ou arché. Esse princípio seria o apeíron, que se pode traduzir por infinita e/ou ilimitado”, seria uma o infinitude espacial. O universo físico para este seria definido por geometrização, por uma simetria, matematizado que corresponderia a um equilíbrio.

Contrariando as ideologias mitológicas para estabilidade da Terra, demonstra-se que não é preciso de um suporte ou um elemento de construção, pois está estaria imóvel e fixa, “basta saber que todos os raios de um círculo são iguais”, afirmando que tudo é constituído por relações puramente geométricas, em que não há uma posição de domínio que exerça uma influencia sobre todas as coisas.

As noções de geometria e simetria chegam ao espaço da política concretizado na ágora, situado dentro da polis onde o demos esta numa instância de igualdade uns com os outros, um espaço público e comum, com o equilíbrio de poderes, o qual quem estaria inserido seria definido como iguais como isoi.

A idéia de igualdade diante ao espaço público, nos remete uma discussão sobre essa idéia, como Aristóteles que designava de “erro de democracia”, a igualdade geométrica cria uma igualdade entre iguais, que gera a diferenças da igualdade, ou seja, só é possível estabelecer o uso da palavra dotada de sentido, a política dentro de um grupo que tenha a mesma perspectiva, deste modo deixando à margem outros, a desigualdade na igualdade.

O texto em si mostra que existiria um cosmo, o qual é sustentado por uma geometria e uma simetria que seriam a base para um equilíbrio  universal, onde o espaço político concretiza-se na ágora em que a racionalidade é fundamental para compor esse espaço supostamente “igualitário”.


2)


No seculo VI, em mileto jonica, homens como Tales, Anaximandro, Anaximenes, mostraram um novo modo de reflexão, sobre a natureza, com um objetivo de demonstrar a origem do mundo, sua composição e sua ordem. Desvinculando-se das explicações mitologicas e fantasiosas que se tinham sobre fenomenos naturais e a cosmogonia, retirando até mesmos a alusão aos Deuses que a religião oficial associava.



Os fenomenos naturais e suas origens passaram a ser encarados e analisados com com enfasê a causalidade. A uma frase de Burnet que diz que os filosofos jônios abriram o caminho que a ciência depois só teve de seguir.



O pensamento se desvinculou da religião e esta “liberdade intelectual” coloca a inteligencia humana suscetível de ser exposta e debatida publicamente, trazendo teorias novas e encaminhando o pensamento ciêntifico. Este tipo de pensamento naturalista, onde mundo se transforma a partir de um agente natural, foi essencial para a evolução cientifica.



O mito não se pergunta como o mundo ordenado surgiu e sim quem e o deus soberano que conseguiu reinar,. A teogonia grega esboçam suas imagens do mundo da seguinte forma:



1. O universo e uma hierarquia de poderes, e seus agentes possuem relações entre si, sobre vinculos de dominios.

2. Esta ordem foi instituida dramaticamente por um agente.

3. O mundo é dominado pelo poder desse agente único e privilegiado.

a ordenação do mundo se deve a um agente, o mundo dominado pelo poder deste agente.



O problema da gênese agora caloca-se de maneira independente. A emergencia do mundo não e mais descrita por façanhas, mais sim por realidades fisicas, céu, mar, terra, etc. Neste momento ainda tivemos muito a percorrer, mas compreendemos a importância do primeiro passo.


3)


ichamento do capítulo oito- A nova imagem do mundo, do livro As origens do pensamento Grego de Jean- Pierre Vernant; nesse capítulo tenta-se fazer uma relação entre a teoria cósmica de Anaximandro e o que ela gerou na política da polis Grega.

Anaximandro foi um filósofo, que se destaca entra os de mais porque inova o estilo de escrever, abandonando o estilo poético das teogonias. Mas a sua principal contribuição foi o seu novo olhar sobre o cosmo, que muda a concepção grega do universo. Para haver esses estudos avançados do cosmos, foi importante o contato com o oriente, principalmente com a Babilônia. Isso provou uma intensa racionalização da sociedade grega.

Com a astronomia avançando nas pesquisas gregas, começa-se “a representar a organização do universo, as posições, as distâncias e os movimentos dos astros, segundo esquemas geométricos” (p. 130) e a se distanciar do olhar mítico da explicação sobre o universo.

Na sua concepção de como seria o universo, Anaximandro coloca a Terra no centro sem se mover e sem apoio; aonde para qualquer outro lugar do universo teria a mesma distância, mostrando a igualdade entre os corpos celestes, relacionando com a geometria. Isso acaba pondo todos os elementos em igualdade, em relação uns aos outros, botando um fim na teoria de alguns filósofos de que o universo provém de um determinado elemento, exemplo que para Tales era a água.

Essa simetria entre os elementos se reflete na vida política das cidades. “A ordem não é mais hierárquica: consiste na manutenção de um equilíbrio entre as potências doravante iguais, sem que nenhuma delas deva obter sobre as outras um domínio definitivo que ocasionaria a ruína do cosmo” (p.133). Todas as classes sociais passaram a ter a mesma importância, tanto é que se cria um espaço comum, chamado de espaço político. Esse lugar se situa no centro da cidade, com a mesma distancia entre os extremos da cidade, onde todos se reúnem.

Com isso a cidade mostra-se em harmonia com o cosmo, fazendo dela uma pequena representação do universo. Tendo um equilíbrio entre as ordens sociais e a política.



4)


Para medir a amplitude da revolução intelectual realizada pelos milésios, a análise apoiar-se essencialmente na obra de Anaximandro. A doxografia dá-nos dela uma visão mais completa, ou menos sumária, que das teorias de Tales e de Anaxímenes.



Esse esquema permanece genético, como physis, como génesis, arché conserva seu valor temporal: a origem; a fonte. Os físicos pesquisam de onde e porque caminho o mundo veio a ser.



Essa geometrização do universo físico acarreta uma transformação geral das perspectivas cosmológicas; consagrada o advento de uma fora de pensamento e de um sistema de explicação sem analogia no mito.



Para compreender por que os homens podem com toda segurança andar sobre o solo, PR que a Terra não cai como o fazem os objetos em sua superfície, basta saber que todos os raios de círculo são iguais.



Sua estrutura geométirica confere ao cosmos uma organização de tipo oposto àquele que o mito lhe atribuía.



A recusa de atribuir à água, com Tales, ao ar, como Anaxímenes ou a qualquer outro elemento particular a dignidade de arché. A substancia primeira, “infinita, imortal e divina, que envolve e governa todas as coisas, Anaximandro a concebe como uma realidade à parte, distinta de todos os elementos, formando sua origem comum, a fonte inesgotável em que todos igualmente se alimentam.



Esse equilíbrio das potências não é de maneira nenhuma estático, encobre oposições e é feito de conflitos. Cada potencia por sua vez domina sucessivamente, apoderando-se do poder, recuando depois para cedê-lo, na proporção de seu primeiro avanço.



Constituído por dynámeis opostas e incessantemente em conflito, o mundo as submete a uma regra de justiça compensatória, a uma ordem que mantém nelas uma exata isotes.



Essa nova imagem do mundo, Anaximandro destacou-a com suficiente rigor para que se impusesse como uma espécie de lugar comum ao conjunto dos filósofos pré-socráticos assim como ao pensamento médico.



O regime da cidade pareceu-nos solidário de uma concepção nova do espaço, ao se projetarem em se encarnarem as instituições da Polis no que se pode chamar um espaço político.



O vínculo entre o espaço da cidade e suas instituições aparece ainda muito claramente em Platão e em Aristóteles.



O novo espaço social está centrado. O kratos, a arché, a dynasteia já não estão situados no ápice da escala social, ficam es meson, no centro, no meio do grupo humano.



Que este novo quadro espacial tenha favorecido a orientação geométrica que caracteriza a astronomia grega, que haja uma profunda analogia de estrutura, entre o espaço institucional no qual se exprime o cosmos humano e o espaço físico no qual os milésios projetam o cosmos natural.



Segundo a doxografia, se para Anaximandro a terra pode permanecer imóvel e fixa, é em razão de sua situação central (Perí meson, mese) da homoiotes, a similitude, e do equilíbrio, a isorropia.



O vínculo, tão paradoxal para nós, que Anaximandro estabelece entre a ausência de “dominação”, a centralidade, a similaridade, autoriza a comparação com um texto político de Heródoto em que voltamos a encontrar o mesmo vocabulário e a mesma solidariedade conceptual. Heródoto conta que, ao morrer o tirano Polícrates, Meandro, designado pelo finado para tomar o skeptron depois dele, convoca todos os cidadãos para a assembléia e anuncia-lhes sua decisão de abolir a tirania.



A comparação parecerá ainda mais significativa porque, entre os milésios mesmos, a concepção de um espaço físico, simetricamente organizado em torno de um centro, reproduz certas representações de ordem social.



Temos de resto uma prova das interferências que puderam produzir-se entre os valores políticos, geométricos e físicos do centro, concebido como o ponto fixo em torno do qual se ordena, na sociedade e na natureza, um espaço igualitário feito de relações simétricas e reversíveis.



Platão, o filósofo que faz inscrever no limiar da Academia: que ninguém entre aqui se não é geômetra -, dá testemunho dos vínculos que uma mesma origem, uma orientação comum estabeleceram e mantiveram por muito tempo, entre os gregos, entre pensamento geométrico e pensamento político.



5)


Anaximandro escreve em sua obra a ruptura completa com o estilo poético das teogonias e inaugura um novo gênero de esquema cosmológico que marcará de maneira profunda a concepção grega do universo.

Os físicos pesquisam de onde e por que caminho o mundo veio a ser. Mas essa reconstrução genética explica a formação de uma ordem que se encontra projetada num quadro espacial. O restabelecimento dos contatos com o Oriente Médio revela-se de uma importância decisiva para o desenvolvimento de uma ciência grega em que as preocupações de ordem astronômica desempenharam no início um papel considerável. Os jônios então, assim como desenham num mapa, situam no espaço a ordem dos cosmos; representam a organização do universo, as distâncias, o movimento dos astros, as localizações, etc.

Essa geometrização do universo físico acarreta uma transformação geral das perspectivas cosmológicas; consagra o advento de uma forma de pensamento e de um sistema de explicação sem analogia ao mito. Anaximandro situa os cosmos num espaço matematizado constituído puramente por relações geométricas. Assim se encontra apagada a imagem mítica de um mundo em planos em que o alto e baixo, em suas posições absolutas, marcam níveis cósmico em que diferenciam Potências divinas e em que as direções do espaço têm significações religiosas opostas (como céu e inferno).

A estrutura geométrica dos cosmos confere uma organização de tipo oposto àquele que o mito lhe atribuía. Já não se encontra nenhum elemento ou porção do mundo privilegiado em detrimento do outro. Para Anaximandro, nenhum elemento singular, nenhuma porção do mundo poderia dominar as demais. São a igualdade e a simetria dos diversos poderes constituintes do cosmos que caracterizam a nova ordem da natureza.

Daí a recusa de atribuir a qualquer elemento particular a dignidade de arché. Para Anaximandro, a substância primeira, infinita, que envolve e governa todas as outras coisas pertence a uma realidade a parte, distinta de todos os elementos, formando sua origem comum, a fonte inesgotável em que todos igualmente se alimentam (denominada ápeiron). A relação de igualdade entre os elementos implica uma mudança radical nas relações de poder e ordem. A ordem não é mais hierárquica portanto; consiste na manutenção de um equilíbrio entre potências iguais, sem que nenhuma delas obtenha sobre as outras um domínio efetivo que ocasionaria a ruína do cosmos. A primazia do ápeiron garante a permanência de uma ordem igualitária que, superior a todos os elementos, impõem-lhe uma lei comum.

Tal igualdade se refletiu também no espaço urbano e nas relações dos elementos que o constituem. Com isso, apareceu a noção de espaço centrado, espaço comum e público, igualitário e simétrico, mas também espaço laicizado, feito para a confrontação, o debate e a argumentação.



6)


1) Considera – se a obra de Anaximandro o melhor documento para avaliar a revolução intelectual do século viii, porque ela tem uma visão mais completa do que as teorias de Tales e Anaxímenes. Ele cria um novo gênero literário da “historía perí physeos.”

Os físicos pesquisam a existência do mundo.

2) Através da geometrização do universo físico, Anaximandro consegue localizar a terra, imóvel e centro do universo. “Acrescenta que se ela permanece em repouso nesse lugar, sem ter necessidade de nenhum suporte, é porque está a igual distância de todos os pontos da circunferência celeste e não tem nenhuma razão para ir para baixo mais que para cima, nem para um lado mais que para outro.” Assim Anaximandro rompe com as teses em que “aterra teria que flutuar sobre um elemento líquido de onde teria surgido” (Tales). E nem de estar suspensa sobre um elemento líquido de ar (Anaxímenes).

Anaximandro esclarece que todos os raios de um círculo são iguais, por isso mesmo que a terra e o que nela existe estão em perfeito equilíbrio e ordem no espaço.

3) A geometrização leva – nos e entender que o espaço social está centrado, estando a cidade equilibrada, pois os indivíduos e os grupos ocupam todos posições simétricas.

Dentro deste espaço político, todos vivem em perfeita harmonia de igualdade como diz o autor: [...] o lar público acha – se em suas relações com os múltiplos lares domésticos, mais ou menos a igual distância das diversas famílias que constituem a cidade, deve apresentá – las todas sem se identificar mais com uma que com outra. Espaço centrado, espaço comum e público, igualitário e simétrico, mas também espaço laicizado, feito para o confrontação, o debate, a argumentação, e que se opõe ao espaço religiosamente qualificado da Acrópole, assim como o domínio dos hóstia , dos assuntos profanos da cidade humana, opõe – se ao dos hierá, dos interesses sagrados que concernem aos deuses.

Que este novo quadro espacial tenha favorecido a orientação geométrica que caracteriza a geometria grega: que haja uma profunda analogia de estrutura, entre o espaço institucional no qual se exprime o cosmos humano e o espaço físico no qual os milésios projetam o cosmos natural, é o que sugere a comparação de certos textos.



7)


Após varias teorias consideradas mitológicas sobre a origem do mundo, a forma da Terra e as relações de poder, a filosofia começa a engendrar uma nova forma de os gregos ou parte deles analisarem as origens do mundo e do próprio mundo, desvinculando gradativamente de uma visão mítica, buscando assim uma mais explicação mais racional e física sobre determinados assuntos. Deste modo os pré-socráticos, como Anaximandro, desenvolveram análises e teorias sobre o princípio de tudo que existe, a arché, não somente estabelecendo teorias filosóficas, mas novas maneiras de se compreender a sociedade.

Anaximandro trata a Terra como imóvel e fixa, ele modela uma das primeiras tórias geocêntricas colocando a Terra no centro do universo, que assim não precisa ser dominada; talvez herde essa teoria dos jônios.

A astronomia é tratada de forma geométrica, assim começa a se traçar planos e tratados geométricos sobre a Terra e o Universo. A geometria também é adotada para compreensão do espaço físico e político da polis; o conhecimento da geometria é essencial para ser considerado um filósofo.

A valorização do Centro, meio, mediador ou mesoi como apaziguador de conflitos que existem numa sociedade de iguais. O espaço social está centrado no ágora onde ocorrem debates, discussões, onde se forma ou ajuda a formar grandes correntes filosóficas e a formação e sedimentação da polis.

Alcmeão define a saúde como o efeito de isonomia entre o equilibro de poderes antagônicos, porém se um poder se sobressair sobre outro poder, ocorrerá destruição deste equilíbrio.

A igualdade não representa uma sociedade sem conflitos, na verdade nela há conflitos que são atenuados , amenizados pelo poder central para o progresso da polis, buscando assim reciprocidade nas múltiplas relações.



8)


A revolução intelectual que ocorreu na Grécia neste período apoia-se também na obra de Anaximandro.

Ele que cria o novo esquema cosmológico que marcará a concepção grega do universo.

Há neste momento um restabelecimento dos contextos gregos com o Oriente; que foi decisivo para o desenvolvimento de uma ciência grega de ordem astronômica.

Para os jônios a ordem do espaço, a organização do universo, as distâncias baseavam-se em esquemas geométricos; e é a geometria que vai definir deste momento em diante a cosmologia grega.

‘ Essa geometrização do universo acarreta uma transformação geral das perspectivas cosmológicas; consagra o advento de uma forma de pensamento e de um sistema de explicação sem analogia do mito. ’ (pg. 130)

A grande importância dos estudos de Anaximandro, é que ele situa os cosmos num espaço mate matizados constituídos por relações puramente geométricas. A imagem mítica, divinizada do universo que é marcada por níveis cósmicos separados por potências divinas que é confrontado com esse universo matemático e geométrico.

As explicações que o mito pretendia explicar a estabilidade da terra na obra de Hesíodo; tornam-se inúteis e irrisórias.

Segundo Anaximandro, são a igualdade e a simetria dos diversos poderes constituintes dos cosmos que caracterizam a nova ordem da natureza; ou seja, não depende do ‘humor dos deuses os acontecimentos naturais. ’

Essa nova imagem do mundo influenciou no âmbito social, político e filosófico da Grécia. ‘ O regime da cidade pareceu-nos solidários de uma concepção nova do espaço, ao se projetarem e se encarnarem as instituições da Polis no que se pode chamar um espaço político. ‘ (pg.135)

O novo espaço individual está centrado; com relação a este centro, os indivíduos e os grupos ocupam todas as posições simétricas.

Há um centro de espaço comum e público é também laicizado; feito para a confrontação, o debate, a argumentação, que se opõe ao espaço religioso da Acrópole.

Platão associou o conhecimento da igualdade geométrica, ao fundamento dos cosmos físico, as virtudes políticas sobre a qual repousa a nova ordem da cidade.


9)


Nesse capítulo, Jean Pierre Vernant nos mostra a importância de apoiar-se a analise na obra de Anaximandro, que tem uma visão mais completa que as teorias de Tales e Anaxímenes. Anaximandro em suas obras utiliza uma linguagem que rompe com o estilo clássico. Assim a concepção grega do universo ficará marcada de forma mais profunda e durável.

A astronomia babilônica tem sua importância incontestável, que dizem através dela, Tales pode prever fenômenos como o eclipse, e fabricaram alguns também alguns instrumentos de grande importância.

A ciência grega se desenvolveu em grande parte, pelo contato que tiveram com os povos do oriente. A ciência grega ganhou um caráter mais geométrico e mais profano, livre das religiões astrais. Assim, podemos notar a diferença entre a ciência grega e ao babilônico que tanto inspirou os povos gregos. A fase de analogia sem o mito, deveu-se a geometrização do universo físico, onde ocorreram transformações no modo de se pensar o cosmos.Anaximandro colocou a Terra imóvel no centro do universo, e que segundo ele, ela estaria em repouso, sem nada que a sustentasse.Anaximandro explica isso na perspectiva da Física, não se baseando nas explicações místicas que existia na época.

Anaximandro defende que nenhum elemento singular, poderia dominar as demais e que os diversos poderes constituintes são a igualdade e à simetria que caracterizarão a nova ordem da natureza.

Anaximandro concebe a arché como uma realidade à parte, distinta de todos os elementos que Forman uma origem em comum, muito diferente do pensamento de Tales e de Anaxímenes.

Na concepção de Aristóteles é preciso que os elementos estejam em uma igualdade de poder, pois se não estiverem ele seriam destruídos. Na perspectiva de Anaximandro o mito que estabelecia a ordem, na verdade é destruidora da ordem. Deve-se manter um equilíbrio entre potencias, sem que nenhuma se sobreponha a outra.

O equilíbrio que existe entre as potencias não é algo que seja equilibrado, as potencias apoderam- se do poder, fazem o conflito acontecer. As potências se aliam, apesar dos conflitos para conceber um único cosmos.

Com a nova perspectiva de mundo, Anaximandro destacou-se de tal forma que conseguiu obter um lugar de destaque entre os filósofos.

O conceito de contrários foi utilizado A.G.Vlastos, que definia a saúde como efeitos opostos (úmido, seco, o frio e o quente...).

A concepção de um novo quadro espacial, favoreceu a direção geométrica que marcou a astronomia Grega.Em Heródoto, vemos o mesmo vocabulário e solidariedade vista em Anaximandro, que visa a ausência de dominação.Heródoto conta que ao morrer o tirado Polícrates designou Meandro a acabar com a tirania.

A déia de um espaço físico, organizado em torno de um centro faz analogia a certas apresentações de ordem social. Na antiguidade imaginavam-se a Terra tendo como centro a Grécia e Delfos no centro da Grécia. Heródoto, com tom ironia rebate algumas explicações sobre a forma da Terra. Platão agrega a igualdade geométrica, fundamento do cosmos físicos às virtudes políticas sobre quais repousam a nova ordem da cidade. Os homens e deuses estão ligados por uma comunidade, feita de amizade, ordenação de moderação e justiça, mais negligenciam a geometria, por mais sábios que sejam.



10)



Anaximandro não introduziu apenas em seu vocabulário um termo da importância de arché; preferindo escrever em prosa, completa a ruptura com o estilo poético das teogonias e inaugura o novo gênero literário próprio da história Peri physeos. É nele que se encontra expresso o novo esquema cosmológico que marcará de maneira profunda e durável a concepção grega do universo.

O restabelecimento dos contatos com o Oriente revela-se de uma importância decisiva para o desenvolvimento de uma ciência grega em que as preocupações de ordem astronômica desempenharam no início um papel considerável. Por seu caráter profano, livre de toda religião astral, a astronomia grega coloca-se num plano diferente do da ciência babilônica de que se inspira. Os jônios situam no espaço a ordem do cosmo; representam a organização do universo, as posições, as distâncias, as dimensões e os movimentos dos astros, segundo esquemas geométricos. Essa geometrização acarreta uma transformação geral das perspectivas cosmológicas; consagra o advento de uma forma de pensamento e de um sistema de explicação sem analogia no mito.

Sua estrutura geométrica confere ao cosmos uma organização de tipo oposto aquele que o mito lhe atribuía. Essa fórmula de Anaximandro mostra persistência de um vocabulário e de conceitos políticos no pensamento cosmológico dos jônios; sustenta esse domínio uma tese que vai além da que expõe seu discípulo Anaxímenes. Para ele, a Terra tem necessidade de repousar no ar que a domina; para Anaximandro, nenhum elemento poderia dominar as demais. São a igualdade e a simetria dos diversos poderes constituintes do cosmos que caracterizam a nova ordem da natureza. A supremacia pertence somente a uma lei de equilíbrio e de constante reciprocidade.

A basiléia, a monarquia, que no mito estabeleciam a ordem e a sustentavam, aparecem, na perspectiva nova de Anaximandro, como destruidoras da ordem. Esse equilíbrio de potencias não é de maneira nenhuma estático; encobre oposições e é feito de conflitos. Cada potência por sua vez domina sucessivamente, apoderando-se do poder, recuando depois para cedê-lo, na proporção de seu primeiro avanço.

A experiência social não forneceu ao pensamento cosmológico o modelo de uma lei e de uma ordem igualitárias que se substituem à dominação onipotente do monarca. O regime da cidade pareceu-nos solidário de uma concepção nova do espaço, ao se projetarem e se encarnarem as instituições da Polis no que se pode chamar um espaço político. Os primeiros urbanistas são na realidade teóricos políticos: a organização do espaço urbano não é mais que um aspecto de um esforço mais geral para ordenar e racionalizar o mundo humano.

O novo espaço social está centrado; é este centro que é agora valorizado porque constitui um ponto fixo para o equilíbrio. Com relação a este centro, os indivíduos e os grupos ocupam posições simétricas. A ágora forma o centro de um espaço público e comum. Todos que nele penetram se definem, por isso mesmo, como iguais; por sua presença nesse espaço político entram, uns com os outros, em relações de perfeita reciprocidade. A instituição do Lar público é símbolo dessa comunidade política. Espaço centrado, espaço comum e público, igualitário e simétrico, feito para a confrontação, o debate, a argumentação, e que se opõe ao espaço religiosamente qualificado da Acrópole.

Destas correspondências entre a estrutura do cosmos natural e a organização do cosmos social, Platão associa estreitamente o conhecimento da isotes, da igualdade geométrica, às virtudes políticas sobre as quais repousa a nova ordem da cidade.


11)


Para medir a amplitude da revolução intelectual realizada pelos milésios, a análise deve apoiar-se essencialmente na obra de Anaximandro. [...] É nele, finalmente, que se encontra expresso com o maior rigor, o novo esquema cosmológico que marcará de maneira profunda e durável a concepção grega do universo. Esse esquema permanece genético. [...] Mas essa reconstrução genética explica a formação de uma ordem que se encontra agora projetada num quadro espacial. (p 129)

Essa geometrização do universo físico acarreta uma transformação geral das perspectivas cosmológicas; consagra o advento de uma forma de pensamento e de um sistema de explicação sem analogia no mito. (p 130)

Anaximandro situa, pois o cosmos num espaço matematizado constituído por relações puramente geométricas. (p 131)

Para Anaxímenes, a Terra tem necessidade de repousar no ar que a domina (synkratei) como a alma domina o corpo. [...] Para Anaximandro, nenhum elemento singular, nenhuma porção do mundo poderia dominar as demais. São a igualdade e a simetria dos diversos poderes constituintes do cosmos que caracterizam a nova ordem da natureza. [...] Daí a recusa de atribuir à água, como Tales, ao ar, como Anaxímenes ou a qualquer outro elemento particular a dignidade de arché. (p 132)

A basileia, a monarchia, que no mito estabeleciam a ordem e a sustentavam, aparecem, na perspectiva nova de Anaximandro, como destituidoras da ordem. A ordem não é mais hierárquica; consiste na manutenção de um equilíbrio entre potências doravante iguais, sem que nenhuma delas deva obter sobre as outras um domínio definitivo que ocasionaria a ruína do cosmos. (p 133)

Sob o jugo dessa dike (justiça) igual para todos, as potências elementares associam-se, coordenam-se segundo uma oscilação regular, para compor, apesar de sua multiplicidade e de sua diversidade, um cosmo único. (p 134)

Mas a experiência social não forneceu somente ao pensamento cosmológico o modelo de uma lei e de uma ordem igualitárias que se substituem à dominação onipotente do monarca. [...] a organização do espaço urbano não é mais que um aspecto de um esforço mais geral para ordenar e racionalizar o mundo humano. [...] O novo espaço social está centrado. [...] É este centro que é agora valorizado; a salvação da polis repousa sobre os que se chamam hoi mesoi, porque, estando a igual distância dos extremos, constituem um ponto fixo para equilibrar a cidade. [...] A agora, que realiza sobre o terreno essa ordenação espacial, forma o centro de um espaço público e comum. Todos os que nele penetram se definem, por isso mesmo, como iguais, como isoi. (p 135)

Segundo a doxografia, se para Anaximandro a terra pode permanecer imóvel e fixa, é em razão de sua situação central (perí meson, mese), da homoiotes, a similitude, e do equilíbrio, a isorropia. Encontrando-se assim no centro, não está, acrescentava Anaximandro, dominada (kratoumene) por nada. (p 136)

[...] entre os milésios mesmos, a concepção de um espaço físico, simetricamente organizado em torno de um centro, reproduz certas representações de ordem social. (p 137)

Temos de resto uma prova das interferências que puderam produzir-se entre os valores políticos e físicos do centro, concebido como o ponto fixo em torno do qual se ordena, na sociedade e na natureza, um espaço igualitário feito de relações simétricas e reversíveis. (p 138)

Fustigando, no Górgias, na pessoa de Cálicles e pela boca de Sócrates, todos os que se recusam a estudar a geometria, Platão associa estreitamente o conhecimento da isotes, da igualdade geométrica, fundamento do cosmos físico, às virtudes políticas sobre as quais repousa a nova ordem da cidade: a dikaiosyne e a sophrosyne. (p 139)



12)


Anaximandro não introduziu apenas em seu vocabulário um termo da importância de arché (a origem, a fonte), preferindo escrever em prosa, completa a ruptura com o estilo poético das teogonias e inaugura o novo esquema cosmológico que marcará de maneira profunda e durável a concepção grega do universo.

Por seu aspecto geométrico, não mais aritmético, por seu caráter profano, livre de toda religião astral, a astronomia grega coloca-se, desde o primeiro momento, num plano diferente do da ciência babilônica de que se inspira. Essa geometrização do universo físico acarreta uma transformação geral das perspectivas cosmológicas, consagra o advento de uma forma de pensamento e de um sistema de explicação sem analogia no mito. Para exemplificar, Anaximandro localiza a terra, imóvel, no centro do universo. Acrescenta que se ela permanece em repouso nesse lugar, sem ter necessidade de nenhum suporte, é porque está a igual distancia de todos os pontos da circunferência celeste e não tem nenhuma razão para ir para baixo mais que para cima, nem para um lado mais que para outro.

Anaximandro situa, pois o cosmos num espaço matematizado constituído por relações puramente geométricas.  Tudo está dito, tudo está claro logo que se esboça o esquema espacial. Para compreender por que os homens podem com toda segurança andar sobre o solo, por que a Terra não cai como o fazem os objetos em sua superfície, basta saber que todos os raios de um círculo são iguais. Se a Terra está situada no centro de um universo, perfeitamente circular, pode permanecer imóvel em razão de sua igualdade de distancia, sem estar submetida à dominação de qualquer coisa que seja.

Para Anaximandro nenhum elemento singular, nenhuma porção do mundo poderia dominar as demais. São a igualdade e a simetria dos diversos poderes constituintes do cosmos que caracterizam a nova ordem da natureza. A supremacia pertence exclusivamente a uma lei de equilíbrio e de constante reciprocidade. À monarchia um regime de isonomia se substitui, na natureza como na cidade.

A basileia, a monarchia, que no mito estabeleciam a ordem e a sustentavam, aparecem, na perspectiva nova de Anaximandro, como destruidoras da ordem. A ordem não é mais hierárquica, consiste na manutenção de um equilíbrio entre potências doravante iguais, sem que nenhuma delas deva obter sobre as outras um domínio definitivo que ocasionaria a ruína do cosmos.

O equilíbrio das potências não é de maneira nenhuma estático, encobre oposições e é feito de conflitos. Cada potência por sua vez domina sucessivamente, apoderando-se do poder, recuando depois para cedê-lo, na proporção de seu primeiro avanço. No universo, na sucessão das estações, no corpo do homem, um ciclo regular faz passar assim a supremacia de um a outro, ligando, como dois termos simétricos e reversíveis, o domínio e a submissão, a extensão e a retração, a força e a fraqueza, o nascimento e a morte de todos os elementos – esses elementos que para Anaximandro “segundo a ordem do tempo se fazem mutuamente reparação e justiça, pela adikia que cometeram”.



Essa nova imagem do mundo, Anaximandro destacou-a com suficiente rigor para que se impusesse como uma espécie de lugar comum ao conjunto dos filósofos pré-socráticos assim como ao pensamento médico.

O novo espaço social está centrado. É este centro que é agora valorizado; a salvação da polis repousa sobre os que se chamam hoi mesoi, porque, estando a igual distancia dos extremos, constituem um ponto fixo para equilibrar a cidade. Com relação a este centro, os indivíduos e os grupos ocupam todos posições simétricas. A ágora, que realiza sobre o terreno essa ordenação espacial, forma o centro de um espaço público e comum. Todos os que nele penetram se definem, por isso mesmo, como iguais, como isoi.

Que este novo quadro espacial tenha favorecido a orientação geométrica que caracteriza a astronomia grega; que haja profunda analogia de estrutura, entre o espaço institucional no qual se exprime o cosmos humano e o espaço físico no qual os milésios projetam o cosmos natural, é que sugere a comparação de certos textos.

Segundo a doxografia, se para Anaximandro a terra pode permanecer imóvel e fixa, é em razão de sua situação central, a similitude, e do equilíbrio. Encontrando-se assim no centro, não está, acrescentava Anaximandro, dominada por nada.

Destas correspondências entre a estrutura do cosmos natural e a organização do cosmos social, Platão mostra-se ainda plenamente consciente no século VI. O filósofo que faz inscrever no limiar da Academia: que ninguém entre aqui se não é geômoetra -, dá testemunho dos vínculos que uma mesma origem, uma orientação comum estabeleceram e mantiveram por muito tempo, entre os gregos, entre pensamento geométrico e pensamento político.



13)


A polis foi o ponto de partida para toda a evolução do pensamento grego tais como, o teatro a política e, sobretudo a filosofia, seu desenvolvimento e consolidação foi de suma importância para o crescimento do Ocidente.

Até então, eram os deuses quem controlava toda a organização da polis grega porem, eles não eram capazes de responder questões sobre a existência, discussões referentes à ordem humana ou astronômica, ocasionando o seu declínio e fortalecendo o pensamento através da razão.

Posteriormente, a polis destacou-se no plano político tornando-se objeto de reflexão teórica o que ocasionou alterações nas relações sociais e interpessoais tais como no convívio em sociedade e, sobretudo nas formas de governo.

Exemplo disto são os pensamentos filosóficos realizados por Anaximandro e Anaxímenes que retratam as formas de dominação e poder que podem ser comparadas as sociedades.

Anaximandro realiza a geometrização do universo físico encerrando com o todo o pensamento místico sobre o poder de dominação do mundo, em contrapartida Anaxímenes acreditava que a Terra repousa sobre o ar afirmando então que há um meio de dominação de poder exercido sobre a Terra.

Contudo, tais pensamentos, e outros que surgiram durante o desenvolvimento da polis, tornaram-se objetos fundamentais de reflexão e despertaram pensamentos sociais substituindo a dominação do monarca e dando uma nova visão frente a polis como não sendo apenas uma cidade e sim uma instituição política.

Conclui-se então, que o nascimento da filosofia e o crescimento da polis se deu com vínculos estreitos que desencadearam outros processos, porém foi no plano político que esta se firmou tendo o debate e a argumentação como elementos essenciais, e a controvérsia, as diferenças de pensamento como o regime de movimentação das sociedades.



14)



No Cap. VIII “A Nova Imagem do Mundo”, Vernant fala sobre a revolução intelectual partindo da obra de Anaximandro e o escolhe por se tratar de uma visão mais completa e que vai discorrer sobre a ruptura num tom mais poético, inaugurando, assim, um novo gênero literário. É na obra de Anaximandro que se encontra expresso o novo esquema cosmológico que marcará de maneira profunda e durável a concepção grega de universo.

O restabelecimento dos contatos com o Oriente foi decisivo para o desenvolvimento de uma ciência grega em que as preocupações de ordem astronômica desempenharam papel importante. De aspecto geométrico (não mais aritmético) e de caráter profano (livre de religiões) a astronomia grega se coloca num plano diferente do da ciência babilônica da qual se inspira. A geometrização do universo físico acarreta uma transformação geral das perspectivas cosmológicas, pois busca explicar o universo sem fazer analogias com os mitos.

Então, para Anaximandro:

- a Terra está imóvel e no centro do universo;

- o cosmos está situado num espaço materializado, constituído por relações puramente geométricas;

- todas as explicações pelas quais o mito pretendia justificar a estabilidade da Terra são inúteis e irrisórias (a Terra não tem necessidade de “suporte” ou de “raízes”, não tem que flutuar sobre elementos líquidos, etc.);

- a estrutura geométrica confere ao cosmos uma organização de tipo oposto àquele que o mito lhe atribuía, assim, não há lugares mais privilegiados do que outros e não há porção do mundo que possa dominar as demais;

- a supremacia pertence exclusivamente a uma lei de equilíbrio (de igualdade e simetria).

A basileia, a monarchia, que no mito estabeleciam a ordem e a sustentavam, para Anaximandro são destruidoras da ordem. A ordem, por sua vez, não é mais hierárquica, pois consiste na manutenção de um equilíbrio entre potências iguais e nenhuma delas deve obter domínio sobre a outra, pois isso seria a ruína do cosmos. Assim, a ordem é igualitária, fundada na reciprocidade das relações que são impostas por uma lei comum.

O novo espaço social está centrado e os que são chamados de hoi mesoi são a salvação da polis, pois constituem um ponto fixo de equilíbrio para a cidade. Neste centro, os indivíduos e os grupos ocupam posições simétricas, são todos iguais e mantêm relações de reciprocidade. Este espaço centrado também é laicizado, feito para a confrontação, o debate, a argumentação.

A analogia da comparação do quadro espacial de orientação geométrica pode ser feita tanto para o espaço físico que se projeta o cosmos natural, quanto para o espaço institucional no qual se exprime o cosmos humano. Isso porque a concepção de um espaço físico, simetricamente organizado em torno de um centro, reproduz certas representações de ordem social.

Percebe-se, assim, a forte ligação entre o pensamento geométrico e o pensamento político.



15)


Deve se utilizar à obra de Anaximandro para analisar a revolução intelectual só século VIII, por ela conter uma visão mais completa do que as teorias  elaboradas por outros pensadores. Criou um novo conceito importante que foi usado por muito tempo, para o termo "arché", criando um novo esquema cosmológico. Escrevendo em prosa, abandonando a poesia, e criando assim um novo gênero literário chamado de "peri physios".

Desenvolveu uma nova ciência grega, ressaltando uma considerável importância para a preocupação com a ordem astronômica. Com um aspecto geométrico e mais aritmético, livre de toda religião astral colocou-se num plano diferente da ciência que se inspirava a ciência babilônica. Nessa nova ciência a organização do espaço, posição, distancia, era representado seguindo esquemas geográficos. Essa nova teoria transforma a visão geral das perspectivas cosmológicas consagrando uma forma de pensamento e sistema de explicação sem analogia do mito. Exemplificando a terá como imóvel, no centro do universo. Dizendo que ela permaneceu imóvel neste lugar, a mesma distancia dos outros corpos celestes do universo e sem necessidade de locomover.

Esse novo pensamento cosmológico influenciou uma nova experiência social, um modelo de lei e ordem igualitária que substituem a dominação onipotente do monarca. Adotando o que se pode chamar de espaço político, inspirado em uma concepção nova do espaço, se projetando e encarnando as instituições da Polis. Criando um vinculo entre espaço da cidade e suas instituições, o que fica bem claro em Platão e Aristóteles



16)


Para medir a amplitude de revolução intelectual realizada pelos milésios, a análise deve apoiar-se essencialmente na obra de Anaximandro. A divida dos milésimos para com a astronomia babilônica é incontestável. Os jônios situam no espaço a ordem do cosmos; representam a organização do universo, as posições, as distancias, as dimensões e os movimentos dos astros, segundo esquemas geométricos. Fazendo assim o mundo, fazem dele, no sentido pleno do termo, uma theona, um espetáculo.

Essa geometrização do universo físico acarreta uma transformação geral das perspectivas cosmológicas; consagra o advento de uma forma de pensamento e de um sistema de explicação sem analogia no mito. Anaximandro localiza a terra, imóvel, no centro do universo. Para Anaximandro. Ao contrário, nenhum elemento singular, nenhuma porção do mundo poderia dominar as demais. São a igualdade e a simetria dos diversos poderes constituintes do cosmos que caracterizam a nova ordem da natureza, como Tales. Não há razão para pôr em dúvida e pertinência do raciocínio de Aristóteles e rejeitar a interpretação que propõe do pensamento de Anaximandro. Notar-se-á que a argumentação aristotélica implica uma mudança radical nas relações do poder e da ordem. A Basiléia, a monarquia, que no mito estabeleciam a ordem e a sustentavam, aparecem, na perspectiva nova de Anaximandro, como destruidoras da ordem. A primazia do ápeiron garante a permanência de uma ordem igualitário fundada na reciprocidade das relações e que, superior a todos os elementos, impõe-lhes uma lei comum.

No universo, na sucessão das estações no corpo do homem. Essa nova imagem do mundo, Anaximandro destacou-a com suficiente rigor para que se impusesse com uma espécie de lugar comum ao conjunto dos filósofa pré-socráticos assim como ao pensamento médico. O regime da cidade pareceu-nos solidário de uma concepção nova do espaço, ao se projetarem e se encarnarem as instituições da Polis no que se pode chamar um espaço político.

O novo espaço social está centrado. O tcratos, a atulhe, a dynasteia já não estão situados no ápice da escala social, ficam es meson, no centro, no meio do grupo humano. Espaço centrado, espaço comum e público, igualitário e simétrico, mas também espaço laicizado, feito para a confrontação, o debate, a argumentação, e que se opõe ao espaço religiosamente qualificado da Acrópole. assim como o domínio dos hósia, dos assuntos profanos da cidade humana, opõe-se ao dos hierá, o dos interesses sagrados que concernem aos deuses.

Da homoiotes, a similitude, e do equilíbrio, a isorropia. no centro, e proclamo para vós a isonomia."O autor acrescenta: Os antigos imaginavam a Terra habitada mais ou menos redonda, com a Grécia no centro e Delfos no centro da Grécia. do espaço físico: Apos o desastre que sofreram, todos os jônios se encontram reunidos no Paniônio.

Temos de resto uma prova das interferências que puderam produzir-se entre os valores políticos, geométricos e físicos do centro, concebido como o ponto fixo em torro do qual se ordena, na sociedade e na natureza, um espaço igualitário feito de relações simétricos e reversíveis. Hestia, símbolo na agora da nova ordem humana poderá designar em Filolao o fogo cósmico central, em outros filósofos, a Terra que permanece imóvel no meio do universo lisicodo.

Destas correspondências entre a estrutura do cosmos natural e a organização do cosmos social Platão mostra-se ainda plenamente consciente no século IV. O filósofo que faz inscrever no limiar da Academia: que ninguém entre aqui se não é geômetra, dá testemunho dos vincules que uma mesma ongem, uma orientação comum estabeleci coram e mantiveram por muito tempo, entre os pregos. Fustigando, no Górgias, na pessoa de Cálicles e pela boca de Sócrates, todos os que se recusam a estudar a geometria, Platão associa estreitamento o conhecimento da estes, da igualdade geométrica, fundamento do cosmos físico, às virtudes políticas sobre as quais repousa a nova ordem da cidade: a dikaiosyne e a sophrosyne.



17)



O capítulo oito, A nova Imagem do Mundo da obra de Jean-Pierre Vernant, elucida o surgimento de uma necessidade de organização do mundo – da representação cósmica - na Grécia antiga.

O tema central do capítulo é a ideia de revolução intelectual grega do século VII. É de nosso conhecimento que à partir do momento em que a imagem do mundo é organizada de forma racional-filosófica, podemos apreender que a civilização que a pratica está no uso de uma razão, de uma racionalidade na organização cosmológica. Isto é, colocar em ordem o universo é um grande passo para o distanciamento de algo mais contemplativo, passando para algo mais reflexivo, científico.

Em se tratando de Grécia, segundo Vernant, a príncipal obra que demonstra essa organização universal é a de Anaximandro, diz o autor:

“É nele [Anaximandro], (...), que se encontra expresso com maior rigor, o novo esquema cosmológico que marcará de maneira profunda e durável a concepção grega de universo” (p. 129).

Os gregos se afastam do mito e através das ideias de geómetras e astronômos consagram a “geometrização do universo físico”, fazendo uma “transformação geral dos perspectivas cosmológicas” (p. 130)

Segundo Vernant, Anaximandro situa o universo num espaço matemática e geometricamente construído e constituído. A terra estaria no centro universo, perfeitamente circular, imóvel e sem estar “submetida à dominação de qualquer coisa” [nesta passagem o autor se refere aos elementos primeiros da origem do universo – água, fogo, vázio... Origem defendida por outros filosofos da época]. A simetria perfeita traria o equilíbrio.

O espaço político sofre influência – influencia essa - dessa racionalidade, dessa geometrização. Segundo Vernant, dentro da pólis grega “a ágora, que realiza sobre o terreno essa ordenação espacial, forma o centro de um espaço público e comum. Todos os que nele penetram se definem, por isso mesmo, como iguais, como isoi.”

Portanto a cidade à partir do centro, ou seja, da ágora, em perfeita simetria, se organiza em torno dela, num equilibrio que reflete o cosmos e a ordem social e política.


18)


A obra do filosofo Anaximandro conclui o rompimento com a poética dos mitos, criando uma nova literatura que vigorosamente expõe a nova maneira de compreender a cosmologia.

Os físicos tentam explicar a ordem do mundo através do espaço; da astronomia. Esta, por sua vez, diferindo-se da astronomia babilônica, deixa de ter a religião como um referencial. Anaximandro, com um pensamento lógico, coloca a Terra no centro do universo e as explicações do mito sobre o planeta deixam de fazer sentido. A partir do exemplo da Terra, que está no centro do universo e em igualdade com outros corpos celestes, a idéia do domínio (kratos) foi abalada. “Para Anaximandro... nenhum elemento singular, nenhuma porção do mundo poderia dominar as demais.” (p.132). Assim, Anaximandro rejeita a idéia de definir um elemento da natureza como um princípio único. Deverá haver um equilíbrio entre os elementos, “...esse equilíbrio das potências não é de maneira nenhuma estático; encobre oposições e é feito de conflitos.” (p.133). Porém, jamais um elemento dominará eternamente, sempre cederá seu lugar a outro, que fará a mesma coisa. Segundo Anaximandro, essas forças conflituosas são regidas por uma lei igual para todas elas.

O planejamento da pólis aderiu a essa nova forma de pensamento: os que antes dominavam, agora estão em igualdade com os dominados. O espaço público é o lugar comum, todos que o freqüentarem estão em igualdade, equilíbrio e harmonia. E , assim como os elementos da natureza, se opõe e não há um homem que domine todos os outros. O espaço para o debate e encontro dos cidadãos era no centro da polis, pois representava o equilíbrio de todos e a falta de dominação, que nessa nova concepção passou a significar uma desordem, “...se para Anaximandro a Terra pode permanecer imóvel e fixa, é em razão de sua situação central...Encontrando-se assim no centro, não está, acrescenta Anaximandro, dominada (kratoumene) por nada.” (p.136).

domingo, 20 de setembro de 2009

Fichamentos do capítulo 7: Cosmogonias e mitos de soberania.


1)




Vernant começa este capítulo falando que as origens nos escapam. Mas que, no entanto podemos datar o nascimento da filosofia, a qual demarca o declínio de um pensamento mítico e o início de um saber tipo racional.

Esta razão nasce no princípio do século VI em Mileto onde pessoas como Thales, Anaximandro, Anaxímenes inauguram um novo modo de reflexão, mais livre e sistemática.

Uma nova organização é pensada, já não é o original que ilumina e transfigura o cotidiano e sim o cotidiano que torna o original inteligível.

Segundo Jean Pierre o Logos teria se desprendido do mito, sendo assim, uma profunda revolução intelectual que mudou toda uma organização que girava em torno dos grandes feitos individuais de seus heróis míticos. Entretanto, o mito não se perde, ele ainda sobrevive e é inteiramente questionado pela filosofia.

Conforme o autor, portanto a filosofia nasce com um tipo de racionalização da vida social, um tipo de linguajar profano. Esqueceram-se do rei que periodicamente voltava a criar a ordem do mundo; sumiu o vínculo entre as façanhas míticas, atribuídas a um soberano, e a organização dos fenômenos naturais. O fracasso da soberania e a limitação do poder real contribuíram assim para destacar o mito do ritual em que se enraizava na origem. A emergência do mundo é descrita não mais em termos de façanha, mas como um processo de geração por potências cujo nome evoca de maneira direta realidades físicas: céu, terra, mar, luz, noite, etc.



2)



Primeira questão:



No IV séc. a.C a Grécia era o palco de uma efervescência cultural ,a liberdade de pensamento e palavras ofereceram uma oportunidade aos pensadores da época para discutir e questionar a condição humana e o mundo.Os “físicos” jônicos questionaram e colocaram em duvida a cosmogonia mítica. Para eles toda a vida está ligada a natureza ,priorizaram o logos e a “medida”(natureza) criando uma cosmologia.

Segunda questão:

O “Milagre grego” define a exaltação da razão e o seu uso para explicar a realidade.Esse termo vem acompanhado de uma imagem de rompimento entre mito e logos(que inicialmente significa “palavra e depois foi associada a “razão”).



Terceira questão:



Cornford opõe a idéia de um rompimento brusco entre mito e logos. As teorias cosmopolitas dos pré-socráticos por mais que criam controvérsias ao mito ,acaba carregando traços característicos de uma “derivação”da cultura mitológica.Para Cornford a filosofia está mais próxima ao mito do que a uma teoria cientifica.

Quarta questão:

Vernant concorda no ponto em que Cornford rejeita a idéia de rompimento entre mito e logos.Parte do capitulo ele exemplifica características presente na “cosmologia Física” que são presentes na mitologia. “ Mas não é somente o esquema de conjunto que é conservado no essencial. Até nas minúcias ,a simetria dos desenvolvimentos ,a concordância ,no pensamento do físico ,de representações míticas que nada perderam de sua força de sugestão.Apesar da Proximidade Jean-Pierre deixa claro que já uma separação e que o logos transformará ,criando uma imagem casa vez mais diferente do mito.





Quinta questão:



A teogonia grega tem um caráter mais divino, na narração de Hesíodo os protagonistas são deuses que definem o destino do universo.Diferente da cultura oriental ,a cultura helênica dissocia o caráter divido do rei (algo que será retomado no reino alexandrino),as civilizações orientais agregam ao rei uma imagem e poder divino.



3)



Na história do homem, as origens geralmente nos escapam. Entretanto, se o advento da filosofia, na Grécia, marca o declínio do pensamento mítico e o começo de um saber de tipo racional, podem ser fixados a data e o lugar de nascimento da razão grega e estabelecido seu estado civil. É no princípio do século VI, na Mileto jônica, que homens como Tales, Anaximandro, Anaxímenes inauguram um novo modo de reflexão concernente à natureza que tomam por objeto de uma investigação sistemática e desinteressada, de uma história, da qual apresentam um quadro de conjunto, uma theoria. Da origem do mundo, de sua composição, de sua ordem, dos fenômenos meteorológicos, propõem explicações livres de toda a imaginária dramática das teogonias e cosmogonias antigas: as grandes figuras das Potências primordiais já se extinguiram; nada de agentes sobrenaturais cujas aventuras, lutas, façanhas formavam a trama dos mitos de gênese que narravam o aparecimento do mundo e a instituição da ordem; nem mesmo alusão aos deuses que a religião oficial associava, nas crenças e no culto, às forças da natureza. Entre os “físicos” da Jônia, o caráter positivo invadiu de chofre a totalidade do ser. Nada existe que não seja natureza, physis. Os homens, a divindade, o mundo formam um universo unificado, homogêneo, todo ele no mesmo plano:são as partes ou os aspectos de uma só e mesma physis que põem em jogo, por toda parte, as mesmas forças, manifestam a mesma potência de vida. As vias pelas quais essa physis nasceu, diversificou-se e organizou-se são perfeitamente acessíveis à inteligência humana: a natureza não operou “no começo” de maneira diferente de corno o faz ainda, cada dia, quando o fogo seca uma vestimenta molhada Ou quando, nuín crivo agitado pela mão, as partes mais grossas se isolam e se reúnem. Como não há senão uma só natureza, que exclui a própria noção de sobrenatural, não há senão uma só temporalidade. (pgs 109/110)

Essa revolução intelectual aparece tão súbita e tão profunda que foi considerada inexplicável em termos de causalidade histórica: falou-se de um milagre grego. Na terra jônica, o logos ter-se-ia desprendido bruscamente do mito, como as escamas caem dos olhos do cego.

“Os filósofos jônios, escreve Burnet, abriram o caminho que a ciência depois só teve que seguir.” (págs 111/112)

A essa interpretação opõe-se ponto por ponto a de F.M. Cornford. Segundo ele, a primeira filosofia aproxima- se mais de urna construção mítica do que de uma teoria científica.(pág 111 paragrafo 2)

Entre a Teogonia de Hesíodo e a filosofia de um Anaximandro, a análise de Corriford faz aparecer estreitas correspondências. Certamente, enquanto urna fala ainda de gerações divinas, o outro já descreve processos naturais; é que o segundo se recusa a jogar com a ambigüidade de termos corno phyein e génesis, que significam igualmente engendrar e produzir, nascimento e origem. Durante todo o tempo em que esses diversos sentidos permaneciam confusos, podia-se exprimir o devir em termos de união sexual, dar a razão de um fenômeno nomeando seu pai e sua mãe, estabelecendo sua árvore genealógica. (pag 112 linhsa 14)

Distanciamento da filosofia e do mito

Entretanto, apesar dessas analogias e dessas reminiscências, não há realmente continuidade entre o mito e a filosofia. O filósofo não se contenta em repetir em termos de physis o que o teólogo tinha expressado em termos de Poder divino. À mudança de registro, à utilização de um vocabulário profano, correspondem uma nova atitude de espírito e um clima intelectual diferente. (Pag 114 paragrafo 2)

Os “físicos”, deliberadamente, ignoram o mundo da religião. Sua pesquisa nada mais tem a ver com esses processos do culto aos quais o mito, apesar de sua relativa autonomia, permanecia sempre mais ou menos ligado.

Dessacralização do saber, advento de um tipo de pensamento exterior à religião — não são fenômenos isolados e incompreensíveis. Em sua forma, a filosofia relaciona-se de maneira direta com o universo espiritual que nos pareceu definir a ordem da cidade e se caracteriza precisamente por urna laicização, uma racionalização da vida social. (pag 114/115 )



Dessacralização do saber, advento de um tipo de pensamento exterior à religião — não são fenômenos isolados e incompreensíveis. Em sua forma, a filosofia relaciona-se de maneira direta com o universo espiritual que nos pareceu definir a ordem da cidade e se caracteriza precisamente por urna laicização, uma racionalização da vida social. Mas a dependência da filosofia com relação às instituições da Polis marca-se igualmente em seu conteúdo. Se é verdade que os milésios se serviram do mito, também é verdade que transformaram profundamente a imagem do universo, integraram-na num quadro espacial ordenado segundo um modelo mais geométrico. Para construir as cosmologias novas, utilizaram as noções que o pensamento moral e político tinham elaborado, projetaram sobre o mundo da natureza esta concepção da ordem e da lei que, triunfando na cidade, tinha feito do mundo humano um cosmo. (Pag 115)

A batalha contra Tifeu (trata-se de urna interpolação que data sem dúvida do fim do século VII) retorna temas análogos. (pag 117)

Tentemos, pois1 definir em grandes linhas o quadro no qual as teogonias gregas esboçam a imagem do mundo.

1 — O universo é uma hierarquia de poderes. Má- logo em sua estrutura a uma sociedade humana, não poderia ser corretamente representado por um esquema puramente espacial, nem descrito em termos de posição, de distância, de movimento.

2 — Essa ordem não surgiu necessai-iamente em conseqüência do jogo dinâmico dos elementos que constituem o universo; foi instituída dramaticamente pela iniciativa de um agente.

3 — O mundo é dominado pelo poder excepcional desse agente que aparece único e privilegiado, num plano superior aos outros deuses: o mito projeta-o como soberano sobre o cume do edifício cósmico; é sua monarchia que mantém o equilíbrio entre as Potências que constituem o universo, fixando a cada urna seu lugar na hierarquia, delimitando suas atribuições, suas prerrogativas, sua parte de honra.

Esses três traços são solidários; dão à narração mhica sua coerência, sua lógica própria. Marcam também sua ligação, na Grécia corno no Oriente, com essa concepção da soberania que coloca sob a dependência do rei a ordem das estações, os fenômenos atmosféricos, a fecundidade da terra, dos rebanhos e das mulheres. A imagem do rei senhor do Tempo, fazedor de chuva, distribuidor das riquezas naturais — imagem que pôde, na época micênica, traduzir realidades sociais e responder a práticas rituais —, transparecia ainda em certas passagens de Homero e de Hesiodo,8 em lendas como as de Salmoneu ou de Eaco. (Pag 122-123)



Apesar do esforço de delimitação conceptual que se manifesta nele, o pensamento de Hesíodo permanece prisioneiro de seu quadro mítico. Ouranós, Caia, Pontos são realidades perfeitamente físicas, em seu aspecto concreto de céu, de terra, de mar; mas são ao mesmo tempo divindades que agem, unem-se e reproduzem-se à semelhança dos homens. Atuando em dois planos, o pensamento apreende o mesmo fenômeno, como, por exemplo, a separação da terra e das águas, simultaneamente como fato natural no mundo visível e corno produção divina num tempo primordial. Para romper com o vocabulário e com a lógica do mito, teria sido necessária a Hesíoclo uma concepção de conjunto capaz de substituir o esquema mítico de urna hierarquia de Poderes dominada por um Soberano. O que lhe faltou foi poder representar-se um universo submetido ao reino da lei, um cosmos que se organizaria impondo a todas as suas partes uma mesma ordem de isonomia feita de equilíbrio, de reciprocidade, de simetria. (Pag 125).



4)



O sétimo capitulo do livro de Vernant apresenta que os “físicos da Jônia” possuíam uma linha de pensamento positivista, ou seja, eles buscavam responder as questões levantadas sobre o Ser, utilizando da natureza, relacionando os elementos naturais com a racionalidade, tentando explicar os vários fenômenos “excluindo a possibilidade do sobrenatural”¹, e também apresentando mais uma dificuldade acerca das diversas temporalidades que são elementos atuantes nas questões filosóficas, assim, eles (“os físicos”) deixam de lado a mitologia, “já que os mesmos explicavam os acontecimentos, diante do que aconteceu com a teogonia e cosmogonia, enquanto para os jônios era o contrário, dizendo que os acontecimentos primitivos se concebem à imagem dos fatos que se observam hoje e dependem de uma explicação análoga.”¹. Diante dessa revolução de idéias esse acontecimento foi denominado como: um milagre grego. Que foi o uso da racionalidade desvinculada com a mitificação dos termos, ou seja, fora uma “evolução do pensamento” que revelava um progresso para o homem (segundo os ideais positivistas). Mas F. M. Cornford discordava disso, para ele a filosofia daquela época era mais mítica do que cientifica, já que, segundo ele, a física jônica não tem nada a ver com a ciência tradicional, começando pela falta de experimentação, e não segue a idéia de universalidade, se tornando mais uma concepção baseada na religião do que na ciência. Vernant no seu texto revela que discorda de Cornford, defendendo que, “por mais importante seja esta diferença entre o físico e o teólogo, a organização geral de seu pensamento permanece a mesma.”². E também apresenta uma relação de distinção entre a Teogonia grega e os mitos de soberania orientais, mostrando que se assemelham no conceito de exaltar o poder dos deuses, e afirma também, que cada vitória do protagonista (no caso Zeus) um “novo mundo era criado”, ou seja, mesmo que ele fosse atacado por rivais ou monstros que trouxessem o caos, Zeus os vencia recolocando sua supremacia em evidência e também trazia ordem ao mundo, e se diferindo no fato de os “físicos”, e outros homens contemporâneos ou posteriores, usarem os nomes dos Deuses em um jogo de palavras, relacionando os mesmos com as forças naturais, assim se mantendo como cientificistas.



5)



Neste capítulo são discutidos alguns pontos como: as origens do pensamento grego e os inícios da reflexão filosófica, como também as relações e semelhanças entre teogonias gregas e orientais.

Segundo o autor o nascimento da razão na Grécia se dar no início do século VI (na Mileto jônica), marcando assim o declínio do pensamento mítico e ascensão da filosofia, considerado um saber racional.

Com Tales, Anaximandro, Anaxímenes é instaurado uma perpesctiva de reflexão uma teoria de explicação e investigação das origens do mundo sem características míticas. Estas explicações são livres da concepção imaginativa presentes nas arcaicas teogonias e cosmogonias. São extirpadas as agentes sobrenaturais que faziam a composição dos mitos que explicavam a gênese do mundo.

Ocorre uma exclusão do sobrenatural, considerando tudo que existe como physis, todos no mesmo plano, apresentados de forma homogênea. Perde-se o ar de mistério e de majestoso, a physis para a ser acessível à inteligência humana. No mundo mítico o cotidiano era explicado a partir das ações praticadas pelos deuses nos primórdios. Essa revolução intelectual foi brusca e profunda sendo considerada segundo o autor considerado o milagre grego.

Segundo Burnet: os filósofos jônicos abriram o aminho que a ciência depois só teve que seguir (...). “Seria inteiramente falso procurar as origens da ciência jônica numa concepção mítica qualquer”.

Já F. M.Corford se contrapõe a esta tese. Para ele essa filosofia inicial é muito mais próxima dos mitos do que uma teoria científica, ela ignora a experimentação que é característica da ciência. Para a explicação de mundo são utilizados esquemas explicativos espelhados nas antigas divindades da mitologia. Apesar do despojamento do aspecto indidualizado dos deuse, ainda assim permanecem as formas ativas e animadas com sentido divino. Portanto a physis ainda é carregada destas características. Para Cornford as duas perpesctivas se confundem que apesar das diferenças, a organização geral do pensar permanece a mesma.

Apesar das divergências entre as visões apresentadas por Burnet e Cornford para o autor do texto não existe continuidade entre as construções míticas e a filosofia. Percebe-se um clima intelectual diferenciado, sendo o vocabulário profano característico desta mudança.

A origem e a ordem do mundo são questionadas de forma clara e as respostas dadas sem mistérios causando, permitindo o conhecimento e questionamento pelos cidadãos, tais como as demais questões cotidianas.

Características que a filosofia passa a ter:

- Dessacralização do saber - pensamento exterior a religião.

- Racionalização da vida social – advindo do estreito relacionamento com o universo espiritual.

Outro apontamento feito pelo autor, trata-se das semelhanças e relações entre as teogonias gregas orientais. Observa-se tanto em como na outra a característica de epopéia real, atrelando a narrativa mítica aos rituais reais. São detectadas relações de soberania na hierarquia social como nos fenômenos naturais.

Em resumo as teogonias gregas esboçam a imagem do mundo da seguinte forma:

- o universo é uma hierarquia de pedras, a ordem complexa e rigorosa exprime relações entre agentes, imposição de autoridade, vínculos de domínio e de submissão.

- a ordem foi imposta de forma imposta e dramática por um único agente.

- esse agente é superior aos demais agentes, a ele cabe delegar atribuições de forma de limitadores e indicativa de posicionamento de cada agente inferior. As uniões desses fatores formam a lógica da construção mítica.


6)


Vernant inicia o capítulo, falando sobre o advento da filosofia, na Grécia, que se deu no início do século VI, na Mileto jônica. Segundo ele, esse advento marcou o declínio do pensamento mítico. Tales, Anaximandro e Anaxímeres, inauguraram um novo modo de reflexão da natureza por meio de uma investigação sistemática e desinteressada. Para eles, nada existe que não seja natureza. Os homens, a divindade, o mundo formam um universo unificado, homogêneo.

Em seguida, é feito um comparativo entre ao pensamento mítico e o pensamento dos físicos da Jônia. Para o pensamento mítico, a experiência cotidiana adquiria sentido em relação aos atos exemplares praticados pelos deuses na origem. Ao contrário, para os jônios, é o cotidiano que torna o original inteligível, fornecendo modelos para compreender como o mundo se formou e ordenou.

Vernant expõe, mais adiante, as opiniões opostas de dois estudiosos em relação ao pensamento mítico e o pensamento jônico. Segundo Burnet, “os filósofos jônios abriram o caminho que a ciência só teve que seguir” e ainda: “Seria inteiramente falso procurar as origens da ciência jônica numa concepção mítica qualquer”. Em oposição a isso, Cornford afirma que a filosofia jônica estaria mais próxima de uma construção mítica do que de uma teoria científica, pois ignora tudo sobre a experimentação. Cornford fala sobre estreitas correspondências entre a Teogonia de Hesíodo e a filosofia de um Anaximandro. Enquanto um fala de gerações divinas, o outro descreve processos naturais. Mas, apesar dessa diferença, a organização geral do seu pensamento permanece a mesma. Põem igualmente, na origem, um estado de indistinção em que nada ainda aparece.

Logo a frente, Vernant afirma que foi com os milésios, que pela primeira vez, a origem e a ordem do mundo tomaram a forma de um problema explicitamente colocado a que se deve dar uma resposta sem mistério, ao nível da inteligência humana. Diz ainda, que a dessacralização do saber, advento de um tipo de pensamento exterior à religião não são isolados e incompreensíveis. Afirma que as teogonias e as cosmogonias gregas são, antes de tudo, mitos de soberania. Exaltam o poder de um deus que reina sobre todo o universo e a ordem é o produto dessa vitória do deus soberano.

Segundo Vernant, por meio de rito e mito babilônicos, exprime-se uma concepção particular das relações da soberania e da ordem. Como natureza e sociedade permanecem confundidas, a ordem é posta sob a dependência do Soberano. No pensamento mítico, não se poderia imaginar um domínio autônomo da natureza nem uma lei de organização imanente ao universo.

Para concluir o capítulo, Vernat cita que em Hesíodo, a ordem cósmica aparecia dissociada da função real, livre de todo vínculo com o rito. O problema de sua gênese coloca-se então de maneira mais independente e para romper com o vocabulário e com a lógica do mito, teria sido necessária a Hesíodo uma concepção de conjunto capaz de substituir o esquema mítico de uma hierarquia de Poderes dominada por um Soberano. Faltou a ordem na qual o universo fosse submetido ao reino da lei, uma ordem de isonomia.



7)



No princípio do século VI, Tales, Anaximandro, Anaxímenes e outros investigam a natureza de forma sistemática, elaborando novas teorias. Extinguem-se os deuses sobrenaturais com suas façanhas e lutas que formam as tramas dos mitos que explicavam o aparecimento do mundo e a instituição da ordem no Orbe. A physis domina esse novo pensamento: as leis naturais presidiram a formação dos elementos e continuam criando todos os fenômenos que garantem a sobrevivência do Universo, dos homens e das criações. Observando o cotidiano pode-se entrever a origem da vida e o fim do caos, pelas mesmas leis que vigorarão imutáveis através dos tempos. Um deus criador reina absoluto sobre todo o universo, regendo as forças da natureza e garantindo a estabilidade, pois após vencer os combates contra os rivais e monstros, sua supremacia aparece definitivamente assegurada.

Essa revolução intelectual aparece tão subitamente como se na terra jônica, o logos teria se desprendido do mito como por um milagre grego. Mas F. M. Cornford assegura que essa primeira filosofia provém da construção mítica e não da teoria científica, já que não há experimentação na filosofia grega. Os elementos que compõem a matéria universal, embora despojados do aspecto de deuses individualizados, continuam sendo forças ativas e animadas, percebidas como divinas. A physis opera impregnada da sabedoria e da justiça antes atribuídas a Zeus, agora chamadas de processos naturais. Essas novas teorias sobre criação do mundo, surgimento e reprodução da vida, não são mais restritas a um círculo estrito de sábios, mas devem ser explicadas publicamente e compreendidas pelo cidadão comum como qualquer problema corriqueiro. A vida social é compreendida pelos sábios num aspecto laico e racional, mas também espiritual, uma vez que a filosofia nasce do mito. Para construção das novas cosmologias, ordenaram a imagem do universo, tornando seu modelo mais geométrico; utilizaram-se das noções do pensamento moral e político e projetaram sobre a natureza esta concepção da lei e da ordem que tinham feito do mundo humano um cosmo.

O autor ressalta que as semelhanças entre a teogonia grega e a babilônica não são fortuitas, pois documentos encontrados recentemente: plaquetas fenícias de Ras Shamra (início do século XIV a. C) e textos hititas em cuneiforme revelam convergências novas que explicam de maneira precisa esse empréstimo do Oriente. Essas teogonias míticas desaparecem após o desmoronamento da realeza micênica, pois as narrativas se tornaram mais autônomas sem o poder do rei. A emergência do mundo é descrita, não mais em termos de façanhas reais, mas como um processo de geração por potências, cujos nomes evocam realidades físicas: céu, terra, mar, luz, noite, etc.



Conclusão:

O autor termina o capítulo concluindo que esse modelo de gênese do cosmos também foi fracassado pois faltou a Hesíodo uma concepção de conjunto que substituísse o esquema mítico de uma hierarquia de poderes dominada por um Soberano; um universo submetido ao reino da lei, um cosmo que se organizaria impondo a todas as suas partes uma mesma ordem de isonomia, de equilíbrio, de reciprocidade, de simetria.



8)



O advento da filosofia na Grécia, marca a queda de um pensamento mítico e o começo de um saber racional, que ocorre no século VI, na Mileto jônica, em que homens como Tales, Anaximandro, Anaxímenes inauguram um novo modo de reflexão concernente à natureza, tomada por uma observação sistemática e desinteressada, de uma história, apresentando uma theoria da origem do mundo e os fenômenos que nele acontece, propondo uma explicação distante de todo imaginário das teogonias e cosmogonias antigas.

Para os filósofos jônicos tudo era natureza, o homem, a divindade e o mundo formam um universo unificado, homogêneo pertencente de uma mesma natureza.

Para Burnet os filósofos jônios, abriram o caminho que a ciência apenas teve que seguir: “Seria inteiramente falso procurar origens da ciência jônica numa concepção mítica qualquer”.

Na ótica de F. M. Cornford, a primeira filosofia aproxima se mais de uma construção mítica do que de uma construção científica. A física jônica nada tem em comum com a ciência; ignora tudo sobre a experimentação. Transpõe de uma forma laica e num vocabulário mais abstrato a concepção do mundo elaborada pela religião. Até nas minúcias, a simetria do desenvolvimento, a concordância de certos temas assinalam a persistência, no pensamento do físico de representação mítica, que nada perde sua força de sugestão. A geração sexual, o ovo cósmico, a árvore cósmica, a separação da terra e do céu, tantas imagens que aparece como em filigranas por meio de explicações físicas de um Anaximandro sobre a formação do mundo.

Apesar dessa analogia e dessa reminis-ciências, não há realmente continuidade entre o mito e a filosofia. O filósofo não se contenta em repetir em termos de physis o que o teólogo tinha expressado em termos de poder divino. Os “físicos”, deliberadamente ignoram o mundo da religião. Há no momento uma dessacralização do saber advento de um tipo de pensamento exterior à religião. Se for verdade que os milésios se serviram do mito, também é verdade que transformaram profundamente a imagem do universo, integraram-na num quadro espacial, ordenado segundo um modelo mais geométrico. Para construir as cosmologias novas, ultilizaram as noções de um pensamento moral e político tinham elaborado, projetaram no mundo da natureza esta concepção da ordem e da lei que triunfa na cidade.

Quando Anaximandro adota este termo, conferindo lhe pela primeira vez seu sentido filosófico de princípio elementar, essa inovação não marcará somente a rejeição pela filosofia do vocabulário “monárquico” próprio do mito; traduzira também sua vontade de aproximar o que os teólogos necessariamente separavam, de unificar na medida do possível o que é primeiro cronologicamente, aquilo a partir de que as coisas se formam, e o que domina, o que governa o universo. Para o físico a ordem do mundo não pode ser dada pela virtude de um agente singular: imanente a physis, a grande lei que rege o universo devia estar já presente de alguma maneira no elemento original de que o mundo surgiu pouco a pouco.