domingo, 20 de setembro de 2009

Fichamentos do capítulo 7: Cosmogonias e mitos de soberania.


1)




Vernant começa este capítulo falando que as origens nos escapam. Mas que, no entanto podemos datar o nascimento da filosofia, a qual demarca o declínio de um pensamento mítico e o início de um saber tipo racional.

Esta razão nasce no princípio do século VI em Mileto onde pessoas como Thales, Anaximandro, Anaxímenes inauguram um novo modo de reflexão, mais livre e sistemática.

Uma nova organização é pensada, já não é o original que ilumina e transfigura o cotidiano e sim o cotidiano que torna o original inteligível.

Segundo Jean Pierre o Logos teria se desprendido do mito, sendo assim, uma profunda revolução intelectual que mudou toda uma organização que girava em torno dos grandes feitos individuais de seus heróis míticos. Entretanto, o mito não se perde, ele ainda sobrevive e é inteiramente questionado pela filosofia.

Conforme o autor, portanto a filosofia nasce com um tipo de racionalização da vida social, um tipo de linguajar profano. Esqueceram-se do rei que periodicamente voltava a criar a ordem do mundo; sumiu o vínculo entre as façanhas míticas, atribuídas a um soberano, e a organização dos fenômenos naturais. O fracasso da soberania e a limitação do poder real contribuíram assim para destacar o mito do ritual em que se enraizava na origem. A emergência do mundo é descrita não mais em termos de façanha, mas como um processo de geração por potências cujo nome evoca de maneira direta realidades físicas: céu, terra, mar, luz, noite, etc.



2)



Primeira questão:



No IV séc. a.C a Grécia era o palco de uma efervescência cultural ,a liberdade de pensamento e palavras ofereceram uma oportunidade aos pensadores da época para discutir e questionar a condição humana e o mundo.Os “físicos” jônicos questionaram e colocaram em duvida a cosmogonia mítica. Para eles toda a vida está ligada a natureza ,priorizaram o logos e a “medida”(natureza) criando uma cosmologia.

Segunda questão:

O “Milagre grego” define a exaltação da razão e o seu uso para explicar a realidade.Esse termo vem acompanhado de uma imagem de rompimento entre mito e logos(que inicialmente significa “palavra e depois foi associada a “razão”).



Terceira questão:



Cornford opõe a idéia de um rompimento brusco entre mito e logos. As teorias cosmopolitas dos pré-socráticos por mais que criam controvérsias ao mito ,acaba carregando traços característicos de uma “derivação”da cultura mitológica.Para Cornford a filosofia está mais próxima ao mito do que a uma teoria cientifica.

Quarta questão:

Vernant concorda no ponto em que Cornford rejeita a idéia de rompimento entre mito e logos.Parte do capitulo ele exemplifica características presente na “cosmologia Física” que são presentes na mitologia. “ Mas não é somente o esquema de conjunto que é conservado no essencial. Até nas minúcias ,a simetria dos desenvolvimentos ,a concordância ,no pensamento do físico ,de representações míticas que nada perderam de sua força de sugestão.Apesar da Proximidade Jean-Pierre deixa claro que já uma separação e que o logos transformará ,criando uma imagem casa vez mais diferente do mito.





Quinta questão:



A teogonia grega tem um caráter mais divino, na narração de Hesíodo os protagonistas são deuses que definem o destino do universo.Diferente da cultura oriental ,a cultura helênica dissocia o caráter divido do rei (algo que será retomado no reino alexandrino),as civilizações orientais agregam ao rei uma imagem e poder divino.



3)



Na história do homem, as origens geralmente nos escapam. Entretanto, se o advento da filosofia, na Grécia, marca o declínio do pensamento mítico e o começo de um saber de tipo racional, podem ser fixados a data e o lugar de nascimento da razão grega e estabelecido seu estado civil. É no princípio do século VI, na Mileto jônica, que homens como Tales, Anaximandro, Anaxímenes inauguram um novo modo de reflexão concernente à natureza que tomam por objeto de uma investigação sistemática e desinteressada, de uma história, da qual apresentam um quadro de conjunto, uma theoria. Da origem do mundo, de sua composição, de sua ordem, dos fenômenos meteorológicos, propõem explicações livres de toda a imaginária dramática das teogonias e cosmogonias antigas: as grandes figuras das Potências primordiais já se extinguiram; nada de agentes sobrenaturais cujas aventuras, lutas, façanhas formavam a trama dos mitos de gênese que narravam o aparecimento do mundo e a instituição da ordem; nem mesmo alusão aos deuses que a religião oficial associava, nas crenças e no culto, às forças da natureza. Entre os “físicos” da Jônia, o caráter positivo invadiu de chofre a totalidade do ser. Nada existe que não seja natureza, physis. Os homens, a divindade, o mundo formam um universo unificado, homogêneo, todo ele no mesmo plano:são as partes ou os aspectos de uma só e mesma physis que põem em jogo, por toda parte, as mesmas forças, manifestam a mesma potência de vida. As vias pelas quais essa physis nasceu, diversificou-se e organizou-se são perfeitamente acessíveis à inteligência humana: a natureza não operou “no começo” de maneira diferente de corno o faz ainda, cada dia, quando o fogo seca uma vestimenta molhada Ou quando, nuín crivo agitado pela mão, as partes mais grossas se isolam e se reúnem. Como não há senão uma só natureza, que exclui a própria noção de sobrenatural, não há senão uma só temporalidade. (pgs 109/110)

Essa revolução intelectual aparece tão súbita e tão profunda que foi considerada inexplicável em termos de causalidade histórica: falou-se de um milagre grego. Na terra jônica, o logos ter-se-ia desprendido bruscamente do mito, como as escamas caem dos olhos do cego.

“Os filósofos jônios, escreve Burnet, abriram o caminho que a ciência depois só teve que seguir.” (págs 111/112)

A essa interpretação opõe-se ponto por ponto a de F.M. Cornford. Segundo ele, a primeira filosofia aproxima- se mais de urna construção mítica do que de uma teoria científica.(pág 111 paragrafo 2)

Entre a Teogonia de Hesíodo e a filosofia de um Anaximandro, a análise de Corriford faz aparecer estreitas correspondências. Certamente, enquanto urna fala ainda de gerações divinas, o outro já descreve processos naturais; é que o segundo se recusa a jogar com a ambigüidade de termos corno phyein e génesis, que significam igualmente engendrar e produzir, nascimento e origem. Durante todo o tempo em que esses diversos sentidos permaneciam confusos, podia-se exprimir o devir em termos de união sexual, dar a razão de um fenômeno nomeando seu pai e sua mãe, estabelecendo sua árvore genealógica. (pag 112 linhsa 14)

Distanciamento da filosofia e do mito

Entretanto, apesar dessas analogias e dessas reminiscências, não há realmente continuidade entre o mito e a filosofia. O filósofo não se contenta em repetir em termos de physis o que o teólogo tinha expressado em termos de Poder divino. À mudança de registro, à utilização de um vocabulário profano, correspondem uma nova atitude de espírito e um clima intelectual diferente. (Pag 114 paragrafo 2)

Os “físicos”, deliberadamente, ignoram o mundo da religião. Sua pesquisa nada mais tem a ver com esses processos do culto aos quais o mito, apesar de sua relativa autonomia, permanecia sempre mais ou menos ligado.

Dessacralização do saber, advento de um tipo de pensamento exterior à religião — não são fenômenos isolados e incompreensíveis. Em sua forma, a filosofia relaciona-se de maneira direta com o universo espiritual que nos pareceu definir a ordem da cidade e se caracteriza precisamente por urna laicização, uma racionalização da vida social. (pag 114/115 )



Dessacralização do saber, advento de um tipo de pensamento exterior à religião — não são fenômenos isolados e incompreensíveis. Em sua forma, a filosofia relaciona-se de maneira direta com o universo espiritual que nos pareceu definir a ordem da cidade e se caracteriza precisamente por urna laicização, uma racionalização da vida social. Mas a dependência da filosofia com relação às instituições da Polis marca-se igualmente em seu conteúdo. Se é verdade que os milésios se serviram do mito, também é verdade que transformaram profundamente a imagem do universo, integraram-na num quadro espacial ordenado segundo um modelo mais geométrico. Para construir as cosmologias novas, utilizaram as noções que o pensamento moral e político tinham elaborado, projetaram sobre o mundo da natureza esta concepção da ordem e da lei que, triunfando na cidade, tinha feito do mundo humano um cosmo. (Pag 115)

A batalha contra Tifeu (trata-se de urna interpolação que data sem dúvida do fim do século VII) retorna temas análogos. (pag 117)

Tentemos, pois1 definir em grandes linhas o quadro no qual as teogonias gregas esboçam a imagem do mundo.

1 — O universo é uma hierarquia de poderes. Má- logo em sua estrutura a uma sociedade humana, não poderia ser corretamente representado por um esquema puramente espacial, nem descrito em termos de posição, de distância, de movimento.

2 — Essa ordem não surgiu necessai-iamente em conseqüência do jogo dinâmico dos elementos que constituem o universo; foi instituída dramaticamente pela iniciativa de um agente.

3 — O mundo é dominado pelo poder excepcional desse agente que aparece único e privilegiado, num plano superior aos outros deuses: o mito projeta-o como soberano sobre o cume do edifício cósmico; é sua monarchia que mantém o equilíbrio entre as Potências que constituem o universo, fixando a cada urna seu lugar na hierarquia, delimitando suas atribuições, suas prerrogativas, sua parte de honra.

Esses três traços são solidários; dão à narração mhica sua coerência, sua lógica própria. Marcam também sua ligação, na Grécia corno no Oriente, com essa concepção da soberania que coloca sob a dependência do rei a ordem das estações, os fenômenos atmosféricos, a fecundidade da terra, dos rebanhos e das mulheres. A imagem do rei senhor do Tempo, fazedor de chuva, distribuidor das riquezas naturais — imagem que pôde, na época micênica, traduzir realidades sociais e responder a práticas rituais —, transparecia ainda em certas passagens de Homero e de Hesiodo,8 em lendas como as de Salmoneu ou de Eaco. (Pag 122-123)



Apesar do esforço de delimitação conceptual que se manifesta nele, o pensamento de Hesíodo permanece prisioneiro de seu quadro mítico. Ouranós, Caia, Pontos são realidades perfeitamente físicas, em seu aspecto concreto de céu, de terra, de mar; mas são ao mesmo tempo divindades que agem, unem-se e reproduzem-se à semelhança dos homens. Atuando em dois planos, o pensamento apreende o mesmo fenômeno, como, por exemplo, a separação da terra e das águas, simultaneamente como fato natural no mundo visível e corno produção divina num tempo primordial. Para romper com o vocabulário e com a lógica do mito, teria sido necessária a Hesíoclo uma concepção de conjunto capaz de substituir o esquema mítico de urna hierarquia de Poderes dominada por um Soberano. O que lhe faltou foi poder representar-se um universo submetido ao reino da lei, um cosmos que se organizaria impondo a todas as suas partes uma mesma ordem de isonomia feita de equilíbrio, de reciprocidade, de simetria. (Pag 125).



4)



O sétimo capitulo do livro de Vernant apresenta que os “físicos da Jônia” possuíam uma linha de pensamento positivista, ou seja, eles buscavam responder as questões levantadas sobre o Ser, utilizando da natureza, relacionando os elementos naturais com a racionalidade, tentando explicar os vários fenômenos “excluindo a possibilidade do sobrenatural”¹, e também apresentando mais uma dificuldade acerca das diversas temporalidades que são elementos atuantes nas questões filosóficas, assim, eles (“os físicos”) deixam de lado a mitologia, “já que os mesmos explicavam os acontecimentos, diante do que aconteceu com a teogonia e cosmogonia, enquanto para os jônios era o contrário, dizendo que os acontecimentos primitivos se concebem à imagem dos fatos que se observam hoje e dependem de uma explicação análoga.”¹. Diante dessa revolução de idéias esse acontecimento foi denominado como: um milagre grego. Que foi o uso da racionalidade desvinculada com a mitificação dos termos, ou seja, fora uma “evolução do pensamento” que revelava um progresso para o homem (segundo os ideais positivistas). Mas F. M. Cornford discordava disso, para ele a filosofia daquela época era mais mítica do que cientifica, já que, segundo ele, a física jônica não tem nada a ver com a ciência tradicional, começando pela falta de experimentação, e não segue a idéia de universalidade, se tornando mais uma concepção baseada na religião do que na ciência. Vernant no seu texto revela que discorda de Cornford, defendendo que, “por mais importante seja esta diferença entre o físico e o teólogo, a organização geral de seu pensamento permanece a mesma.”². E também apresenta uma relação de distinção entre a Teogonia grega e os mitos de soberania orientais, mostrando que se assemelham no conceito de exaltar o poder dos deuses, e afirma também, que cada vitória do protagonista (no caso Zeus) um “novo mundo era criado”, ou seja, mesmo que ele fosse atacado por rivais ou monstros que trouxessem o caos, Zeus os vencia recolocando sua supremacia em evidência e também trazia ordem ao mundo, e se diferindo no fato de os “físicos”, e outros homens contemporâneos ou posteriores, usarem os nomes dos Deuses em um jogo de palavras, relacionando os mesmos com as forças naturais, assim se mantendo como cientificistas.



5)



Neste capítulo são discutidos alguns pontos como: as origens do pensamento grego e os inícios da reflexão filosófica, como também as relações e semelhanças entre teogonias gregas e orientais.

Segundo o autor o nascimento da razão na Grécia se dar no início do século VI (na Mileto jônica), marcando assim o declínio do pensamento mítico e ascensão da filosofia, considerado um saber racional.

Com Tales, Anaximandro, Anaxímenes é instaurado uma perpesctiva de reflexão uma teoria de explicação e investigação das origens do mundo sem características míticas. Estas explicações são livres da concepção imaginativa presentes nas arcaicas teogonias e cosmogonias. São extirpadas as agentes sobrenaturais que faziam a composição dos mitos que explicavam a gênese do mundo.

Ocorre uma exclusão do sobrenatural, considerando tudo que existe como physis, todos no mesmo plano, apresentados de forma homogênea. Perde-se o ar de mistério e de majestoso, a physis para a ser acessível à inteligência humana. No mundo mítico o cotidiano era explicado a partir das ações praticadas pelos deuses nos primórdios. Essa revolução intelectual foi brusca e profunda sendo considerada segundo o autor considerado o milagre grego.

Segundo Burnet: os filósofos jônicos abriram o aminho que a ciência depois só teve que seguir (...). “Seria inteiramente falso procurar as origens da ciência jônica numa concepção mítica qualquer”.

Já F. M.Corford se contrapõe a esta tese. Para ele essa filosofia inicial é muito mais próxima dos mitos do que uma teoria científica, ela ignora a experimentação que é característica da ciência. Para a explicação de mundo são utilizados esquemas explicativos espelhados nas antigas divindades da mitologia. Apesar do despojamento do aspecto indidualizado dos deuse, ainda assim permanecem as formas ativas e animadas com sentido divino. Portanto a physis ainda é carregada destas características. Para Cornford as duas perpesctivas se confundem que apesar das diferenças, a organização geral do pensar permanece a mesma.

Apesar das divergências entre as visões apresentadas por Burnet e Cornford para o autor do texto não existe continuidade entre as construções míticas e a filosofia. Percebe-se um clima intelectual diferenciado, sendo o vocabulário profano característico desta mudança.

A origem e a ordem do mundo são questionadas de forma clara e as respostas dadas sem mistérios causando, permitindo o conhecimento e questionamento pelos cidadãos, tais como as demais questões cotidianas.

Características que a filosofia passa a ter:

- Dessacralização do saber - pensamento exterior a religião.

- Racionalização da vida social – advindo do estreito relacionamento com o universo espiritual.

Outro apontamento feito pelo autor, trata-se das semelhanças e relações entre as teogonias gregas orientais. Observa-se tanto em como na outra a característica de epopéia real, atrelando a narrativa mítica aos rituais reais. São detectadas relações de soberania na hierarquia social como nos fenômenos naturais.

Em resumo as teogonias gregas esboçam a imagem do mundo da seguinte forma:

- o universo é uma hierarquia de pedras, a ordem complexa e rigorosa exprime relações entre agentes, imposição de autoridade, vínculos de domínio e de submissão.

- a ordem foi imposta de forma imposta e dramática por um único agente.

- esse agente é superior aos demais agentes, a ele cabe delegar atribuições de forma de limitadores e indicativa de posicionamento de cada agente inferior. As uniões desses fatores formam a lógica da construção mítica.


6)


Vernant inicia o capítulo, falando sobre o advento da filosofia, na Grécia, que se deu no início do século VI, na Mileto jônica. Segundo ele, esse advento marcou o declínio do pensamento mítico. Tales, Anaximandro e Anaxímeres, inauguraram um novo modo de reflexão da natureza por meio de uma investigação sistemática e desinteressada. Para eles, nada existe que não seja natureza. Os homens, a divindade, o mundo formam um universo unificado, homogêneo.

Em seguida, é feito um comparativo entre ao pensamento mítico e o pensamento dos físicos da Jônia. Para o pensamento mítico, a experiência cotidiana adquiria sentido em relação aos atos exemplares praticados pelos deuses na origem. Ao contrário, para os jônios, é o cotidiano que torna o original inteligível, fornecendo modelos para compreender como o mundo se formou e ordenou.

Vernant expõe, mais adiante, as opiniões opostas de dois estudiosos em relação ao pensamento mítico e o pensamento jônico. Segundo Burnet, “os filósofos jônios abriram o caminho que a ciência só teve que seguir” e ainda: “Seria inteiramente falso procurar as origens da ciência jônica numa concepção mítica qualquer”. Em oposição a isso, Cornford afirma que a filosofia jônica estaria mais próxima de uma construção mítica do que de uma teoria científica, pois ignora tudo sobre a experimentação. Cornford fala sobre estreitas correspondências entre a Teogonia de Hesíodo e a filosofia de um Anaximandro. Enquanto um fala de gerações divinas, o outro descreve processos naturais. Mas, apesar dessa diferença, a organização geral do seu pensamento permanece a mesma. Põem igualmente, na origem, um estado de indistinção em que nada ainda aparece.

Logo a frente, Vernant afirma que foi com os milésios, que pela primeira vez, a origem e a ordem do mundo tomaram a forma de um problema explicitamente colocado a que se deve dar uma resposta sem mistério, ao nível da inteligência humana. Diz ainda, que a dessacralização do saber, advento de um tipo de pensamento exterior à religião não são isolados e incompreensíveis. Afirma que as teogonias e as cosmogonias gregas são, antes de tudo, mitos de soberania. Exaltam o poder de um deus que reina sobre todo o universo e a ordem é o produto dessa vitória do deus soberano.

Segundo Vernant, por meio de rito e mito babilônicos, exprime-se uma concepção particular das relações da soberania e da ordem. Como natureza e sociedade permanecem confundidas, a ordem é posta sob a dependência do Soberano. No pensamento mítico, não se poderia imaginar um domínio autônomo da natureza nem uma lei de organização imanente ao universo.

Para concluir o capítulo, Vernat cita que em Hesíodo, a ordem cósmica aparecia dissociada da função real, livre de todo vínculo com o rito. O problema de sua gênese coloca-se então de maneira mais independente e para romper com o vocabulário e com a lógica do mito, teria sido necessária a Hesíodo uma concepção de conjunto capaz de substituir o esquema mítico de uma hierarquia de Poderes dominada por um Soberano. Faltou a ordem na qual o universo fosse submetido ao reino da lei, uma ordem de isonomia.



7)



No princípio do século VI, Tales, Anaximandro, Anaxímenes e outros investigam a natureza de forma sistemática, elaborando novas teorias. Extinguem-se os deuses sobrenaturais com suas façanhas e lutas que formam as tramas dos mitos que explicavam o aparecimento do mundo e a instituição da ordem no Orbe. A physis domina esse novo pensamento: as leis naturais presidiram a formação dos elementos e continuam criando todos os fenômenos que garantem a sobrevivência do Universo, dos homens e das criações. Observando o cotidiano pode-se entrever a origem da vida e o fim do caos, pelas mesmas leis que vigorarão imutáveis através dos tempos. Um deus criador reina absoluto sobre todo o universo, regendo as forças da natureza e garantindo a estabilidade, pois após vencer os combates contra os rivais e monstros, sua supremacia aparece definitivamente assegurada.

Essa revolução intelectual aparece tão subitamente como se na terra jônica, o logos teria se desprendido do mito como por um milagre grego. Mas F. M. Cornford assegura que essa primeira filosofia provém da construção mítica e não da teoria científica, já que não há experimentação na filosofia grega. Os elementos que compõem a matéria universal, embora despojados do aspecto de deuses individualizados, continuam sendo forças ativas e animadas, percebidas como divinas. A physis opera impregnada da sabedoria e da justiça antes atribuídas a Zeus, agora chamadas de processos naturais. Essas novas teorias sobre criação do mundo, surgimento e reprodução da vida, não são mais restritas a um círculo estrito de sábios, mas devem ser explicadas publicamente e compreendidas pelo cidadão comum como qualquer problema corriqueiro. A vida social é compreendida pelos sábios num aspecto laico e racional, mas também espiritual, uma vez que a filosofia nasce do mito. Para construção das novas cosmologias, ordenaram a imagem do universo, tornando seu modelo mais geométrico; utilizaram-se das noções do pensamento moral e político e projetaram sobre a natureza esta concepção da lei e da ordem que tinham feito do mundo humano um cosmo.

O autor ressalta que as semelhanças entre a teogonia grega e a babilônica não são fortuitas, pois documentos encontrados recentemente: plaquetas fenícias de Ras Shamra (início do século XIV a. C) e textos hititas em cuneiforme revelam convergências novas que explicam de maneira precisa esse empréstimo do Oriente. Essas teogonias míticas desaparecem após o desmoronamento da realeza micênica, pois as narrativas se tornaram mais autônomas sem o poder do rei. A emergência do mundo é descrita, não mais em termos de façanhas reais, mas como um processo de geração por potências, cujos nomes evocam realidades físicas: céu, terra, mar, luz, noite, etc.



Conclusão:

O autor termina o capítulo concluindo que esse modelo de gênese do cosmos também foi fracassado pois faltou a Hesíodo uma concepção de conjunto que substituísse o esquema mítico de uma hierarquia de poderes dominada por um Soberano; um universo submetido ao reino da lei, um cosmo que se organizaria impondo a todas as suas partes uma mesma ordem de isonomia, de equilíbrio, de reciprocidade, de simetria.



8)



O advento da filosofia na Grécia, marca a queda de um pensamento mítico e o começo de um saber racional, que ocorre no século VI, na Mileto jônica, em que homens como Tales, Anaximandro, Anaxímenes inauguram um novo modo de reflexão concernente à natureza, tomada por uma observação sistemática e desinteressada, de uma história, apresentando uma theoria da origem do mundo e os fenômenos que nele acontece, propondo uma explicação distante de todo imaginário das teogonias e cosmogonias antigas.

Para os filósofos jônicos tudo era natureza, o homem, a divindade e o mundo formam um universo unificado, homogêneo pertencente de uma mesma natureza.

Para Burnet os filósofos jônios, abriram o caminho que a ciência apenas teve que seguir: “Seria inteiramente falso procurar origens da ciência jônica numa concepção mítica qualquer”.

Na ótica de F. M. Cornford, a primeira filosofia aproxima se mais de uma construção mítica do que de uma construção científica. A física jônica nada tem em comum com a ciência; ignora tudo sobre a experimentação. Transpõe de uma forma laica e num vocabulário mais abstrato a concepção do mundo elaborada pela religião. Até nas minúcias, a simetria do desenvolvimento, a concordância de certos temas assinalam a persistência, no pensamento do físico de representação mítica, que nada perde sua força de sugestão. A geração sexual, o ovo cósmico, a árvore cósmica, a separação da terra e do céu, tantas imagens que aparece como em filigranas por meio de explicações físicas de um Anaximandro sobre a formação do mundo.

Apesar dessa analogia e dessa reminis-ciências, não há realmente continuidade entre o mito e a filosofia. O filósofo não se contenta em repetir em termos de physis o que o teólogo tinha expressado em termos de poder divino. Os “físicos”, deliberadamente ignoram o mundo da religião. Há no momento uma dessacralização do saber advento de um tipo de pensamento exterior à religião. Se for verdade que os milésios se serviram do mito, também é verdade que transformaram profundamente a imagem do universo, integraram-na num quadro espacial, ordenado segundo um modelo mais geométrico. Para construir as cosmologias novas, ultilizaram as noções de um pensamento moral e político tinham elaborado, projetaram no mundo da natureza esta concepção da ordem e da lei que triunfa na cidade.

Quando Anaximandro adota este termo, conferindo lhe pela primeira vez seu sentido filosófico de princípio elementar, essa inovação não marcará somente a rejeição pela filosofia do vocabulário “monárquico” próprio do mito; traduzira também sua vontade de aproximar o que os teólogos necessariamente separavam, de unificar na medida do possível o que é primeiro cronologicamente, aquilo a partir de que as coisas se formam, e o que domina, o que governa o universo. Para o físico a ordem do mundo não pode ser dada pela virtude de um agente singular: imanente a physis, a grande lei que rege o universo devia estar já presente de alguma maneira no elemento original de que o mundo surgiu pouco a pouco.

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