terça-feira, 10 de novembro de 2009

GABARITO DA PROVA DE 08 DE OUTUBRO

1) A polis é uma invenção grega. Enumere os três itens que a caracterizam. Explique um desses itens.


RESPOSTA

Segundo Jean-Pierre Vernant (A origem do pensamento entre os gregos), a polis se caracteriza principalmente pelos seguintes itens:

a) O uso da palavra como instrumento de poder: os habitantes da polis são considerados cidadãos e rejeitam a autoridade absoluta. Toda autoridade, em tese, deve ser justificada mediante o uso de argumentos racionais, que serão avaliados pela assembleia dos cidadãos, daí a importância da retórica e da dialética, pois tanto para exercer funções públicas como para participar das discussões era preciso dominar o uso da palavra; a palavra não tem uma função mágica, como num ritual, de instaurar uma realidade, mas tem o poder de garantir, pelo debate, que a melhor solução foi encontrada.

b) A publicidade dos acontecimentos sociais: o uso da palavra, oral e escrita, permite a criação de um espaço público de convivência entre os cidadãos, mesmo os cultos religiosos tornam-se acontecimentos públicos, que envolvem a cidade toda; dessa forma, os cidadãos podem participar de uma vida espiritual que antes só era acessível às elites aristocráticas.

c) A isonomia: os cidadãos, quaisquer que fossem a sua condição social, eram considerados iguais diante da lei; tal igualdade podia ser do tipo geométrico, proporcional (Sólon) ou aritmética, absoluta (Clístenes), idealmente dava o poder de participar e decidir nos negócios públicos a todo homem qualificado como cidadão, o que se atingia pela participação militar.


2) O que foi a crise da polis no século VI? Qual o papel dos sábios nessa crise?


RESPOSTA

A crise da polis no século VI foi uma situação de oposição extrema entre a aristocracia e os habitantes das suas terras. A causa dessa crise foi de origem econômica: os aristocratas, impulsionados pelo desenvolvimento comercial de Grécia, ficam desejosos de se enriquecer e passam a valorizar a vida luxuosa dos poderosos dos reinos orientais; ora, a ganância dos ricos, não tendo limites, vai ser sentida pelos mais pobres, que habitam suas terras desde muito tempo, como uma situação de anomia ou de ausência de lei, em que ficam à mercê do desejo dos proprietários de enriquecer por meio da exploração das suas terras e dos habitantes que nela vivem. Os sete sábios são homens que, graças ao seu saber prático e sua autoridade, procuram equilibrar a situação, evitando a desarmonia na cidade, seja denunciando a ganância dos ricos, seja propondo efetivamente leis que controlem essa ganância. Por meio dessa ação eles promovem um espaço público e uma vida pública, na qual os gregos discutirão o melhor meio de governo.



3) Há, segundo Vernant, uma estreita relação entre a invenção da polis na Grécia e o nascimento da filosofia no século VI. Explique essa relação.


RESPOSTA
Para Vernant, a polis é a cidade tal como foi inventada pelos gregos, com suas peculiaridades, quais sejam, o auto governo, a participação dos cidadãos na condução dos negócios públicos, por meio de debates em que o uso da palavra era fundamental, a própria criação de um espaço público e de uma vida espiritual para os cidadãos, o uso da razão, não apenas nos argumentos verbais, mas também no uso da moeda, do calendário e da escrita. Essas condições da polis teriam sido fundamentais para o aparecimento de uma reflexão que toma justamente o exercício da razão como único árbitro para as discussões. Na interpretação da natureza, por exemplo, os primeiros filósofos simplesmente tomaram de empréstimo a noção de lei forjada na polis, que garantia o equilíbrio entre os cidadãos e a projetaram sobre a natureza, procurando explicar a ordem dos fenômenos em termos de equilíbrio entre elementos de natureza discordante (água/fogo, seco/úmido, quente/frio, etc). Isto é, se não houvesse a polis, não haveria a filosofia (e provavelmente também o teatro, a literatura e a ciência tal como os temos hoje).



4) Cornford não acha que a filosofia dos físicos da Jônia tenha sido uma ruptura radical com o pensamento mítico próprio da Grécia no século VI. Por que ele pensa assim? O que Vernant pensa dessa ideia de Cornford?



Cornford acha que o pensamento dos primeiros filósofos da Jônia, embora se apresente em um vocabulário mais abstrato e menos antropomórfico, ainda se utiliza dos esquemas do pensamento mítico para explicar os fenômenos naturais, e não apenas os esquemas mentais, mas até mesmo imagens míticas são usadas para apresentar as explicações sobre a natureza que ainda se apresentam muito como resultado de combates, busca de equilíbrio e outras ideias da tradição mítica. E sobretudo carecem de um sentido de observação e experimentação com relação aos fenômenos, o que caracteriza uma visão científica.

Vernant discorda da tese de Cornford, pois para ele, os físicos da Jônia rompem com a tradição mítica e fazem isso conscientemente, a utilização de um vocabulário mais abstrato é uma prova do seu esforço de buscar explicações naturais (e não mais sobrenaturais) para os fenômenos. Se há utilização de esquemas mentais e mesmo de metáforas comuns aos mitos por um lado, a intenção das explicações dos fisiólogos (as cosmologias) são totalmente diversas das explicações míticas (cosmogonias ou teogonias). Enquanto o interesse dos mitos é justificar uma determinada situação por meio do recurso às histórias sobre os deuses, num tempo imemorial (mitos de soberania), a intenção das teorias dos físicos da Jônia era explicar as causas dos fenômenos naturais em termos de outros fenômenos e elementos naturais, que aliás funcionam hoje como funcionaram sempre, o que causa os fenômenos hoje é a mesma coisa que os causava desde o começo do mundo, não há diferença entre um mundo primordial e o mundo de hoje.

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