domingo, 4 de outubro de 2009

Notas de aula - Capítulos 4 a 8 de As origens do pensamento grego (Vernant)

Cap. 4 – O universo espiritual da polis

Polis: originada a partir do século VIII a.C. - verdadeira invenção do espírito grego.

Três características que mostram o caráter original da polis grega.


1)A preeminência da palavra como instrumento de poder.

- a palavra não é mais um elemento de eficácia ritual, não tem um poder mágico de instaurar a realidade, pelo contrário, ela é um instrumento de debate, supõe um público que atuará como árbitro a decidir sobre dois discursos contrários.

- o logos toma consciência de si, de sua eficácia, de suas regras, a arte política será uma arte do logos.

- Aristóteles (384-322 a.C.): suas pesquisas sobre as técnicas de persuasão e regras da demonstração, assim como a lógica o verdadeiro são a culminância de um processo que se inicia com a prática da retórica e da sofística nos debates públicos.


2) A plena publicidade das manifestações mais importantes da vida social.


- domínio público: interesses comuns, distinto de interesses privados e práticas abertas em oposição às práticas secretas.

- apreensão, em proveito do grupo de todas as funções antes privativas do basileus ou dos gene.

- acesso ao mundo espiritual, antes reservado aos aristocratas, a um círculo cada vez mais amplo de cidadãos, idealmente ao demos todo.

- conhecimentos, valores e técnicas mentais são levados à praça pública, onde serão objeto de debates, devem mostrar sua retidão por processos de ordem dialética.

- a escrita fonética, alfabética será o meio de uma cultura comum, não mais um saber restrito a escribas especializados, mas acessível a todos.

- a lei escrita: mais do que garantir a fixidez, a escritura da lei permite que ela se torne um bem público, subtraído a autoridade exclusiva do monarca, sem deixar de ter um valor sagrado

- os livros: obedecendo à mesma lógica, os pensamentos individuais de sábios como Anaximandro ou Heráclito, se apresentarão publicamente e, por meio do debate, reivindicarão o reconhecimento de todos.

- o culto público: a cidade reivindica para si os cultos que antes eram propriedades de certas famílias, a divindade passa a proteger a cidade toda, os próprios símbolos sagrados perdem sua eficácia ritual, emigram dos palácios e das casas sacerdotais para o templo, um lugar público e impessoal, onde estarão expostos aos olhos de todos como ensinamento sobre os deuses.

- permanência de um domínio subtraído à publicidade no campo da política: a permanência de práticas secretas de governo lembram que, apesar do racionalismo político, a deliberações sobre o futuro não é algo sobre o que a razão humana possua controle total, há sempre o espaço para o imponderável.

- no plano religioso também há a permanência de práticas não públicas: são as seitas, que se organizam de modo hierárquico e selecionam, por meio de provas, os eleitos a participar de privilégios.

- mas, ao contrário, das antigas confrarias, esses ritos de iniciação estão circuncritos ao terreno religioso e são abertos a todos que desejarem se submeter a eles, não havendo interdição por origem ou classe.

- os primeiros sábios retomam as preocupações das seitas e se apresenta à cidade e é reconhecido por esta como um homem que se distingue dos demais por seu gênero de vida tanto quanto pelo conhecimento que possui, e que será útil á cidade.

- paradoxo da primeira sabedoria: entregar ao público um conhecimento secreto e inacessível.

- as provas para o acesso à sophia e à philosophia incluem uma regra de vida, uma ascese, uma via de pesquisa, o domínio de técnicas de discurso, de técnicas de raciocínio como a matemática, e exercício espirituais.

- ambigüidade da filosofia: nascida sob esse duplo movimento de publicidade e de busca individual da sabedoria, a filosofia flutua entre o mistério dos segredos e a publicidade do debate.

- consequência: o filósofo ora se apresenta como o sábio que tem o conhecimento para conduzir a cidade, ora se distancia da cidade para buscar a felicidade numa sabedoria secreta, reservada a poucos iniciados ( a obra de Platão como paradigma dessa atitude)


3)Isonomia

- os que compõem a cidade, por mais diferentes que sejam individualmente quanto á classe ou origem ou posição social são, de certa maneira, semelhantes ou mesmo iguais.

- origem: tradições igualitárias nos meios militares, atitudes psicológicas da aristocracia dos cavaleiros (hippeis) que recusam um poder absoluto e exigem repartir o poder entre iguais.

- qualificação guerreira instituída como meio para participar dos negócios públicos

- o aparecimento do hoplita, soldado de infantaria, pesadamente armado, que combate em linha estende a um contingente mais amplo de pessoas a possibilidade de tornar-se cidadãos.

- o tipo de combate baseado no soldado hoplita e na disciplina tática também transforma a ética do guerreiro, pois já não conta mais o valor pessoal, o heroísmo de indivíduos, mas sim a capacidade de obedecer ao comando, de manter a posição no campo de batalha. O Thymos (coragem) é substituído pela sophrosyne (equilíbrio).

- assim como os hoplitas, na falange, são intercambiáveis, na cidade, os cidadãos podem ocupar o lugar uns dos outros, sem privilégios.

- o caso de Esparta: no século VI esta cidade parece estar na contramão do fenômeno democrático, com suas instituições arcaicas e seu repúdio ao luxo e ao contato com o estrangeiro.

- no entanto, em Esparta, o fator militar também a encaminhou para uma sociedade de iguais, uma cidade de hoplitas, ordenada pela lei, a ordem social não depende um soberano, mas sim de um equilíbrio entre as várias instâncias de poder (os dois reis, a gerousia, a apella, os éforos).

- por se orientar, primeiramente, por preocupações militares, em Esparta, a palavra e a publicidade não desempenharão um papel tão decisivo como em outras cidades.



Cap. 5 – A crise da cidade: os primeiros sábios



A Sabedoria dos primeiros sábios consistia num conhecimento orientado para a organização da cidade.



- a tradição dos sete sábios, personagens mais ou menos lendários, permite compreender um momento de crise, entre o fim do século VII e começo do VI, momento de conflito em que os gregos põem em discussão o seu sistema de crenças religiosas e morais.



- os setes sábios apresentam-se como homens que, por seu saber mas também por sua vida, são capazes de intervir nesse debate.



- a habilitação política é o que há de comum entre personagens tão díspares como Tales, o fisiólogo, Sólon, o poeta que recusa a tirania, Periandro, o tirano de Corinto, Epimênides, o mago inspirado, Pítaco, também poeta e legislador constituinte (aisimneta).



- o esforço, no domínio político, de elaboração de uma regra comum corresponde, no plano intelectual ao esforço para a elaboração de uma nova ética.



- a crise tem origem econômica, reveste-se de uma efervescência religiosa e social, mas dadas as circunstâncias leva a uma reflexão moral e política, de caráter laico.



- condições econômicas: retomada do desenvolvimento e do contato com o Oriente, a partir do século VIII e com o Mediterrâneo todo no século VII, o crescimento demográfico leva à expansão marítima, que busca um tríplice objetivo: procura por terra, por alimento, por metais preciosos.



- como consequência, a classe aristocrática é seduzida pela riqueza e pelo luxo, os aristocratas, antes grandes proprietários rurais se converte em traficantes marítimos ou em fazendeiros (gentlemen farmer)



- concentração de terras fazem do problema agrário uma crucial questão social



- embora apareça uma população de artesãos e lojistas, é a oposição entre urbanos (os nobres que vivem na cidade) e rurais (os camponeses que os alimentam) a principal oposição social na Gr´cia do século VII.



- a reação do mundo grego a essa situação é a recusa a esse estado de anomia (de ausência de lei) e que leva à busca de uma limitação à ambição, à iniciativa e à sede de poder da nova aristocracia.



- a legislação sobre o homicídio: testemunha da nova mentalidade política que se instaura: antigamente o homicida era um problema da família da vítima ( o que originava a série interminável de vinganças), paulatinamente, o assassino passa a ser problema da cidade como um todo, que finalmente tomará para si a prerrogativa de puni-lo; a transformação tendo passado por um estágio de reflexão religiosa sobre o assassinato como mancha que atinge a toda a comunidade e merece expiação pública.



- ao definir a cidade como uma comunidade natural, Aristóteles enfatiza o aspecto de comunidade (koinonia), baseado na refeição comum, que sugere a consangüinidade; portanto, o assassínio de um concidadão deverá produzir o mesmo horror religioso a todos os cidadãos como se fosse o assassínio de um parente.



- o começo do direito se dá, então, dentro de um clima religioso, mas não se desenvolve como um movimento religioso; pelo contrário, é um esforço de laicização o que acontece, as aspirações comunitárias encaminham-se para a instituição judiciária e política.



- no mundo antigo, os gene se enfrentavam puramente no terreno da força, representada por testemunhos e juramentos que conseguissem arregimentar; na nova situação , o juiz não mais pedirá as testemunhas que jurem, mas que relatem os fatos; o seu dever é investigar a verdade e o processo se dará mediante as regras do discurso, do uso da palavra, de reconstrução do plausível, da dedução.







Cap.6: A organização do cosmo humano



- Origem religiosa da reflexão moral: o ascetismo das seitas encontra ressonância no ideal de austeridade em reação contra a ostentação e o luxo (frutos do desenvolvimento comercial)

- A nova imagem da virtude: a areté (virtude) não se manifesta mais como coragem e heroísmo guerreiros, mas a uma capacidade de controlar os apetites com rigor, com ascetismo

- A virtude ganha um aspecto mais moral ou moralizante.

- A condenação do luxo e da riqueza visam às conseqüências sociais desses excessos, as divisões e ódios que engendra na cidade.

- A riqueza: substitui os valores aristocráticos e não comporta nenhum limite, sua essência é o descomedimento (hybris)

- Sólon: “Não há termo para a riqueza. Koros, a saciedade engendra Hybris”

- Teógnis: “Quem possui quer mais ainda. A riqueza acaba por já não ter outro objeto senão a si própria”

- Sophrosyne: ideal de temperança e proporção que fundamenta a classe média na cidade, capaz de se opor aos ricos e sua ambição desmedida e também aos grupos sectários, busca de uma ordenação do cosmos (o equilíbrio)..

- Caráter “burguês” da virtude grega: uma classe média, equidistante dos ricos e dos indigentes exercerá um papel mediador entre as classes extremas.

- Agogé espartana: espírito de comedimento, de domínio das paixões, emoções e instintos.

- Sólon: estabelece uma ordem política que impõe um equilíbrio entre forças contrárias, um acordo entre rivais

- Sólon: recusa a tirania, pois a arché deve permancer no meio, no centro, igual para todos.



Fragmento 4 de Sólon

Nossa pólis jamais perecerá pela vontade de Zeus

e pelo querer dos bem-aventurados deuses imortais;

pois a tão magnânima guardiã, filha do poderoso pai,

Palas Atena, tem as mãos sobre ela.

Mas os próprios cidadãos, com seus desvarios, (5)

querem destruir a grande pólis, persuadidos por riquezas,

e injusto é o nomon dos chefes do povo, aos quais está reservado

sofrer muitas aflições por sua grande Hybris,

pois eles não são capazes de conter seu koroi

nem controlar, na tranqüilidade do banquete, seus prazeres. (10)

. . . . . . . . .

Enriquecem, persuadidos por ações injustas.

. . . . . . . . .

Não poupando os bens sagrados nem, de modo algum, os públicos,

roubam com avidez, cada um por seu lado,

nem guardam os veneráveis fundamentos da Diké,

que, em silêncio, conhece o passado e o presente, (15)

e, com o tempo, certamente vem punir.

Essa ferida inevitável já atinge toda a pólis,

e rapidamente conduz à perversa escravidão,

que desperta a stasie e a guerra adormecida,

a qual põe termo à agradável juventude de muitos; (20)

de fato, por causa dos inimigos, rapidamente, a encantadora cidade

é destruída em conspirações que prejudicam os amigos.

Esses males se espalham entre o povo: muitos pobres

migram para uma terra estrangeira,

vendidos e atados com humilhantes grilhões. (25)

. . . . . . . . .

Assim, a desgraça pública chega a cada um em casa,

e as portas das casas não podem mais contê-la,

salta sobre o alto muro e encontra certamente,

ainda que alguém, fugindo, esteja no interior do tálamo.

Estas coisas meu coração me ordena ensinar aos atenienses: (30)



que a dianomia causa males inumeráveis à pólis,

mas a eunomia mostra tudo bem ordenado e bem proporcionado,

e, muitas vezes, agrilhoa os injustos,

abranda a violência, faz cessar o koroi, enfraquece a hybris

seca as flores nascidas da desgraça, (35)

corrige os decretos tortuosos, suaviza as ações arrogantes,

põe fim aos atos da dissensão,

e faz cessar o ódio da terrível rivalidade, e, graças a ela,

tudo entre os homens é bem proporcionado e sábio.



- Racionalismo político de Sólon: a igualdade obedecerá critérios de proporção, de justa medida, trata-se de uma igualdade hierárquica ou geométrica, não aritmética.

-Objeção de Anárcasis, citado por Plutarco: as leis seriam como teias de aranha que seguram os mais fracos, mas são facilmente rompidas pelos fortes.

- Resposta de Sólon: as vantagens recíprocas em respeitar as leis suplantam o desejo de desobedecê-las.

- Moeda como aspecto de racionalização: confere ao estado o poder de codificar, regrar e ordenar o comércio.

- A isotes aristocrática: a cidade é um cosmos feito de partes diversas, a medida justa deve conciliar forças naturais desiguais (eco na República, de Platão). Meritocracia?

- A isotes democrática: a igualdade deve ser total, aritmética, todos os cidadãos se equivalem.

- Depois de Sólon: luta entre três facções rivais leva a uma nova busca de solução ao problema da divisão da cidade.

- 1) Os aristocratas (pediakoi): ricos habitantes da cidade, donos de terras produtivas que exploram pela escravidão.

- 2) Os “do meio” (mesoi): povoam o litoral, são a nova classe média, de prestadores de serviços, que procuram evitar o triunfo dos extremos.

- 3) Os populares (diacroi): povoam as terras montanhosas do interior, são pequenos aldeões e lavradores.

- Reforma de Clístenes: propõe um sistema de dez tribos, uma divisão puramente geográfica, que abrange, no mesmo território, populações das três facções.

- A polis que surge da reforma de Clístenes é um universo homogêneo, sem hierarquia, sem diferenciação.







Cap. 7: Cosmogonias e mitos de soberania



- Advento da Filosofia: Mileto, na Jônia (cidades gregas da Ásia Menor), século VI a.C. , com Tales, Anaximandro, Anaxímenes.



- Nada existe que não seja natureza (physis): recusa das explicações míticas para a origem, composição e ordem do mundo, os mesmos processos que presenciamos hoje estavam na origem de todas as coisas.



- Burnet: “os filósofos jônios abriram o caminho que a ciência depois só teve o trabalho de seguir” e “ Seria inteiramente falso procurar as origens da ciência jônica num concepção mítica qualquer”. O Milagre grego.



- Contra a tese do “milagre”: Francis Cornford.



- Cornford: “a primeira filosofia aproxima-se mais de uma construção mítica do que de uma teoria científica”; “ignora tudo obre experimentação”, “transpõe, num vocabulário mais abstrato, a concepção religiosa do mundo”; “não procuram leis da natureza, mas uma explicação sobre a ordem que crêem ver no mundo”; “os elementos da physis equivalem a antigas divindades da mitologia”; “o cosmos dos jônios compõe-se de forças opostas que se combinam e se equilibram, se separa e se combinam”.



- Explicações físicas de Anaximandro: representações míticas (geração sexual, ovo cósmico, separação da terra e do céu anteriormente confundidos).



- Sed Contra (Vernant): apesar dessa analogias, não há realmente continuidade entre o mito e a filosofia.



- 1. A mudança de vocabulário corresponde a uma mudança de espírito e atitude intelectual.



- 2. A busca da resposta sobre as origens deve ser satisfeita com uma explicação sem mistérios, apta a ser debatida e discutida publicamente.



- 3. Os físicos da Jônia buscam deliberadamente a dessacralização e desritualização do saber.



- Relação entre polis e filosofia: os filósofos utilizam as noções morais e políticas, projetando sobre a natureza a mesma concepção de ordem e lei que havia triunfado na polis; o mundo físico é ordenado segundo uma proporção geométrica.



- As cosmogonias e teogonias são semelhantes às cosmologias enquanto são relatos sobre as origens; mas são, sobretudo, mitos de soberania, o deus vencedor pode reinar pacificamente, impondo a ordem ao mundo.



- Teogonias orientais, fonte dos gregos: o estabelecimento do poder soberano e a fundação da ordem são os troféus de uma mesma luta; o rei deve repetir, ritualmente, a façanha do deus na origem do mundo.



- A ordem existe sob a dependência do Soberano, o rei domina a hierarquia social e os fenômenos naturais, nessa mitologia, a natureza não é autônoma.



- Ferecides de Siros, teólogo, elabora uma cosmogonia centrada na luta por um reinado universal.



- Cosmogonias: o problema da origem é secundário, a “arché” tem um sentido apenas temporal, enquanto para os filósofos da Jônia “arché” é princípio não apenas cronológico, mas ontológico.



- A imagem do mundo segundo as teogonias



- 1. O universo é uma hierarquia de poderes, não pode ser descrito num esquema espacial;



- 2. A ordem foi instituída pela iniciativa de um agente;



- 3. O mundo é dominado por esse agente, trata-se de uma monarquia que mantém o equilíbrio do universo.



- As teogonias, na Grécia pós micênica: dos ritos reais só restam vestígios, daí as narrativas destacarem-se do culto e podem se constituir autonomamente, prefigurando o filósofo (Aristóteles: “o amante do mito é, de certa forma, filósofo”).



- A obra de Hesíodo: tenta descrever a gênese do cosmo segundo um movimento espontâneo, mas sua linguagem ainda é presa do vocabulário dos mitos, onde os deuses são personalidades que agem.





Cap. 8: A nova imagem do mundo


- Anaximandro: dos três milésios (Tales e Anaxímenes são os outros dois) é aquele do qual temos mais informações - introduziu a palavra “arché” no vocabulário filosófico, escreveu em prosa.



- Reconstrução genética: a ordem é projetada num quadro espacial.



- Astronomia grega: influenciada pela astronomia da Babilônia (observações, métodos e instrumentos), mas desde o princípio livre da religião astral.



- Geometrização do universo físico: representação das distâncias, posições, dimensões e movimentos dos astros num plano, assim como num plano se desenha a própria terra (o mapa de Anaximandro, as esferas).



- A imagem geométrica: a terra está no centro do Universo, é a sua posição central que a mantém estável, não há mais lugares privilegiados, mas também não é necessário pensar num suporte (Água, para Tales, ar para Anaxímenes) que a mantenha no lugar. Ao mesmo tempo, não há mais lugares privilegiados, não há hierarquia.



- O ápeiron: o elemento primordial (arché) não pode ser um elemento particular, mas uma realidade à parte. Explicação de Aristóteles: se a arché fosse um elemento particular, ele destruiria os outros, pois os elementos se definem por oposição uns aos outros.



- Apeíron e monarquia: a ordem da physis não é hierárquica, consiste num equilíbrio entre potências iguais; isso reflete a nova ordem, as novas relações de poder na polis, na cidade grega.



- A ordem não é, sobretudo, estática, consistindo numa sucessão de forças que dominam e depois cedem o domínio, como nos ciclos naturais.



- Alcmeão: a saúde como equilíbrio de contrários: úmido e seco; frio e quente, amargo e doce.



- A polis: fornece ao pensamento filosófico a ideia de lei e também a concepção de espaço, assim como na concepção de Anaximandro a terra está no centro, na cidade grega, o espaço comum, público, igualitário e laico é colocado no centro (a ágora).



- Platão: eco, no século IV, das correspondências entre a estrutura cosmos natural e a organização do cosmos social, ao insistir no aprendizado da geometria como condição para atingir as virtudes políticas.



CONCLUSÃO


- O pensamento racional surgiu solidário das estruturas sociais e mentais próprias da cidade grega (polis).

- Aristóteles: “o homem é um animal político” e “o homem é um animal racional”; a própria Razão, em sua essência, é política.

- No plano político que a razão primeiro se exprimiu na Grécia, ao colocar em discussão a ordem humana, os gregos se desfazem de concepções míticas, do plano político, a razão se alastrou para outros domínios.

- Ao se desenvolver, a filosofia afasta-se da natureza, não mais se pergunta sobre a ordem, mas qual a natureza do Ser; constrói um vocabulário próprio, uma lógica, uma racionalidade, mas não fez muitas observações, a natureza é o lugar do aproximado, que não pode ser calculado rigorosamente.

- “Em seus limites como em suas inovações, a filosofia é filha da cidade”





APÊNDICE



A Sentença de Anaximandro

“...uma outra natureza ápeiron, da qual provêm todos os céus e mundos neles contidos. E a fonte da geração das coisas que existem é aquela em que se verifica também a destruição segundo a necessidade. Pois pagam castigo e retribuição uns aos outros, pela sua injustiça, de acordo com o decreto do tempo.”

[em Simplício, Física, 24, 17]



Sentenças de sábios antigos sobre a visão de Anaximandro



“Ele diz que a terra tem forma cilíndrica, e que a sua profundidade é um terço da largura.”

Pseudoplutarco, Strom., 2.



“A sua forma é curva, redonda, semelhante ao tronco de uma coluna; das duas superfícies planas, nós caminhamos sobre uma, e a outra está do lado oposto.”

Hipólito, Refutações, I, 6, 3.



“Alguns há, como Anaximandro entre os antigos, que afirmam que ela [a Terra] se mantém imóvel devido ao equilíbrio. Pois convém que aquilo que está colocado no centro, e está a igual distância dos extremos, de modo algum se desloque mais para cima ou para baixo ou para os lados; e é-lhe impossível mover-se simultaneamente em direções opostas, pelo que se mantém fixa, por necessidade.”

Aristóteles, Sobre o céu, B 13, 295b10



“Além disso, ele diz, que o movimento, no qual nascem os céus, é eterno.”

Hipólito, Refutações, I, 6,2.



“Os corpos celestes nascem como círculos de fogo separados do fogo do mundo e cercados de ar. Há respiradouros, aberturas como as da flauta, aos quais aparecem os corpos celestes; conseqüentemente, os eclipses dão-se quando os respiradouros são obstruídos. A Lua é vista ora a aumentar,ora a diminuir consoante a obstrução ou abertura dos canais. O círculo do Sol é 27 vezes maior (do que a Terra; e o da) Lua (18

vezes). O Sol é o mais alto, e os círculos das estrelas fixas são os mais baixos”.

Hipólito, Refutações, I, 6,4-5.



“Anaximandro inventou o gnômon e o instalou sobre o relógio de Lacedemônia, para indicar o solstício e os equinócios e mostrar as horas”

D. Laércio, II, 2.